sábado, setembro 29, 2007

O Veredicto

Por Mephisto

Para Roberto Brandão e Elton Jaeger

O fato de haver condenado à morte um homem que sabia inocente em nada perturbava a consciência tranqüila e arejada do juiz Maastricht. Como sou Mephisto, e posso perfeitamente devassar a consciência de quem quer que seja, garanto-vos que, ao assinar a sentença, o nobre magistrado ainda mais se encantava e exultava com o peso de sua pena, expressão magnífica de seu imenso poder.
Pode parecer estranho, mas as execuções – sobretudo as demoradas - não me fascinam. Em nada se comparam aos momentos que antecedem ao golpe do cutelo. Aí, sim, pode-se experimentar alguma sensação prazerosa. Digo-vos que o medo da morte mais que iminente sepulta toda e qualquer emoção de um condenado, salvo, nos espíritos mais elevados, o arrependimento. Mas, quando se é inocente, é o ódio contra os seus algozes o que verdadeiramente dignifica o imolado e o fazer merecer a própria pena.
Mas o juiz Maastricht deliciava-se em ver as execuções de suas rudes penas. Pouco lhe importava o que ia na mente dos que atirava nos patíbulos e calabouços. Mais que isso, exigia do verdugo que amputasse um bocado do executado.
Dispostos numa ampla prateleira, que ocupava uma das paredes da tenebrosa sala de audiência, havia frascos de salmoura. Narizes, olhos e orelhas - e, bem assim, diversas outras macabras reminiscências - mergulhados em conserva, flutuavam pachorrentamente, para o horror dos réus e regalo do magistrado.
E já eram tantos os frascos a atormentar os olhos e as almas dos interrogados, e tantos mais ainda eram os que seriam enforcados, que o nobre magistrado cuidara, com muita previdência, de encomendar uma nova prateleira de madeira de lei, destinada a ocupar a parede que ficava à sua retaguarda, mesmo que – sejamos sinceros – lhe fosse desagradável desalojar a sacrossanta imagem do crucificado.
Porém, no dia mesmo em que a nova prateleira chegou, o magistrado Maastricht não compareceu à audiência. O escrivão acorreu à casa do juiz e o encontrou em delírio. Estava sentado à mesa de jantar, na posição em que, nos tribunais, costumam ficar os réus. Olhava para a cabeceira vazia e jurava inocência. Pedia clemência a um magistrado bem mais poderoso que ele próprio e cujo nome não me é permitido pronunciar, dada a minha condição de demônio de superior hierarquia.
O magistrado não passou um dia, sequer, no manicômio. Eu bem ouvi os seus pensamentos. Mas não os direi. Este é um deleite que não compartilho com ninguém. Direi, apenas, que o veredicto foi implacável. Porque, mal os sinos da catedral soaram as vésperas, a cabeça do magistrado estalou, como se alçada por uma corda bem ajustada ao seu pescoço; e o seu corpo, imediatamente, entrou em convulsão. Os pés de Maastricht tremiam em pleno ar, varridos por fluxos contínuos de espasmos violentos. Mas somente eu fui testemunha de sua longa agonia. Somente eu, mais ninguém.
Daí por que ninguém pôde explicar as marcas profundas fincadas no pescoço do nobre homem. E muito menos a mutilação que, admirados e confusos, verificaram os médicos no corpo do magistrado. Sabe-se apenas que dentro nova prateleira, justamente no lugar onde o crucificado deveria estar, havia um enorme frasco de salmoura. E que no imenso e translúcido pote de conserva flutuava um dedo cruelmente decepado, adornado por um anel de magistrado.
Se eu pudesse jurar, diria claramente que nada tive

quarta-feira, setembro 26, 2007

Seja um colaborador!

A Irmandade das Sombras é uma sociedade aberta a todos os que querem fazer parte dela. Não há necessidade de qualquer formalidade, todos são bem vindos. Temos uma espécie de "sede" no forum do site Recanto das Letras, que foi onde tudo começou, lá trocamos idéias e opiniões. Aqui no blog aceitamos qualquer tipo de contribuição desde que seja no estilo, assim se você deseja contribuir ou participar do nosso grupo já sabe onde nos encontrar

Abaixo deixo o link para o nosso tópico no fórum do Recanto das Letras

http://recantodasletras.uol.com.br/forum/index.php?topic=2056.0

Caso queira entrar em contato conosco pode nos enviar um e-mail para lhf_87@hotmail.com, que é meu e-mail pessoal

Abraços a todos que passarem por aqui


Linx

sábado, setembro 22, 2007

Irmandade das Sombras - 1 ANO!!!

Hoje é um dia especial a todos nós. Nossa irmandade literária completa um ano de existência. Estamos, vivos, unidos e lutando pela ideal de valorizar o terror como Arte. A luta é ardua, cheia de inimigos e obstáculos, mas ainda estamos de pé, fazendo terror e a cada dia aumentamos e ganhamos mais talentos.
A todos que passarem aqui saibam, querendo vocês ou não estamos vivos e fazendo sucesso. E se você for querer ser mais um de nossos inimigos que venha, pois não temos medo. Caso seja um admirador da Arte sombria/Fantastica estamos de portas abertas para você. Una-se na nossa luta pela valorização do estilo. Seja um irmão também, estamos de portas abertas!

Abraços a todos

Linx

sábado, setembro 15, 2007

As Relíquias da Irmandade das Sombras

Por Celly Borges

"Eu vou morrer... Eu vou morrer!"
– E agora, você vai nos dizer a verdade?
– Mas eu não sei de nada...
– Ok, você gosta de se afogar às vezes, não é?
Cesar fez um movimento com a mão para o capanga que segurava a cabeça de Alexandre que a empurrou outra vez para dentro do tonel cheio, não até a borda, pois, depois de tanto impelir o infeliz para dentro, o chão já estava todo encharcado pela água que transbordara.
– Bem, ele ao vai falar, então, talvez realmente não saiba mesmo do que estamos falando... Tire-o daí! – Ordenou Cesar.
– Eu não o conheço, juro – Alexandre estava ofegante, mal conseguia permanecer em pé. – Eu juro!
– Tudo bem, não jure, eu acredito! Deixe-o ir!
– Mas chefe, ele vai contar tudo para todos!
– Não seja tolo, Ricardo, quem, em sã consciência, acreditaria na existência das re

liquias da Irmandade das Sombras? – Cesar sentou em uma poltrona que havia trazido para o galpão para que sua caracterização de gângster. – E além do mais, ele já está condenado por outras gangues aí de fora. Alexandre não durará muito para que tenha tempo de abrir a sua boca.
Durante um longo tempo se fez silêncio, que foi quebrado por Ricardo.
– Mas essa relíquia, ela existe mesmo???
– É claro, idiota. Ou o que você acha que cinco pessoas estariam fazendo aqui, presas e dopadas? – Rosnou Cesar, apontando para a cela logo à sua frente, ele se acomodou na poltrona. – Precisamos encontrar o fundador, o líder, pois a Relíquia da Irmandade das Sombras está fragmentada entre seis pessoais, e já temos algumas.
"O que você acha que fazem aqui o Paulo, o Henry, o Luciano, a Hell e a Celly?
"Precisamos da sexta parte, a parte central, ou seja, a Relíquia está com o senhor de todos eles, Linx.
"Mas eu não sei como encontra-lo, e não poderei saber também como montar a tal Relíquia que me dará todo o poder das trevas."
Entrementes, Cesar dera as costas justamente para a cela em que se encontravam os cinco Irmãos das Sombras, quando eles se restabeleciam e tiraram do bolso interno das capas negras as verdadeiras Relíquias as Irmandade das Sombras, as uniram, formando um pentagrama e a sexta parte surgiu em meio a uma luz escarlate, era a parte central e em menos de um minuto – tempo que Cesar e seu capanga levaram para perceber o que acontecia –, Linx apareceu em meio aos cinco, igualmente vestido de negro.
Linx fora despertado de seu sono eterno, seus olhos vermelhos transmitiam toda a sua aversão pela humanidade, cultivada por tantos e tantos séculos e agora vinha vingar seus Irmãos.
Naquela noite, a Irmandade das Sombras se reuniu e a escuridão tomou conta de todo o Universo, e as trevas dominaram toda forma de luz, a vingança fora estabelecida.
E Linx, juntamente com os cinco Irmãos, recrutaram novos seguidores para livrar o mundo de toda forma de vida não fantástica!

sábado, setembro 08, 2007

É ISSO AÍ, AMIGOS DAS SOMBRAS! AGORA TAMBÉM TEMOS VÍDEOS! DIVIRTAM-SE!


Henry Evaristo

Transformação completa de UM LOBISOMEM AMERICANO EM LONDRES

Vejam a mais espetacular transformação de um homem em um lobisomem de todos os tempos!


Sua Contribuição!

Não se esquecendo que se você tiver interesse em ter seu texto postado em nosso blog, pode nos enviar seu material. Meu e-mail é lhf_87@hotmail.com
Junte-se a nós, seja um membro da Irmandade das Sombras
Linx

E o Blog Continua sua Jornada!

A cada dia que passa melhoramos o blog e nossas visitas dizem claramente que estamos no caminho certo. Nossa jornada por um Underground do terror no Brasil continua e cada dia mais perto do Objetivo!
Abraço a todos os visitantes!!!
Linx

Sinfonia da Escatologia

Falando em poesias, to postando uma das minhas, espero que gostem

Por Linx

Gritos de dor
No processo final
A morte condena a todos
No prelúdio fatal

Muitos correm
Desesperados sem parar
Mas ninguém escapará
Da justiça que vai chegar

Sofrimento, agonia, angustia
As lagrimas correm aflitas
Pelos rostos desesperados
Dos milhões de condenados

Muito sangue ainda se derramará
Antes que ele na terra possa pisar
E sobre os cadáveres das vitimas
Dar fim a sinfonia

Estação Inferno

Por Luiz Poleto

Desci as escadas da estação Cinelândia muito rapidamente para tentar entrar na composição do metrô que já soava o sinal de que as portas iam fechar-se. Como de costume, tive que trabalhar até tarde e já passava um pouco das oito horas da noite quando peguei o metrô, que, devido ao horário, não estava cheio. Este era um dos pontos positivos de trabalhar até tarde: além do ligeiro aumento do salário no final do mês, o metrô normalmente estava vazio. As vezes eu até conseguia um lugar para sentar, e hoje, felizmente, foi um desses dias. Sentei-me em um banco vazio, perto da janela – que aliás, não serve para muita coisa, dada a escuridão que consome aqueles intermináveis túneis.
Quando a composição iniciou a viagem, abri minha mochila para pegar o livro que vinha lendo. Lembro-me de ter xingado qualquer coisa quando percebi que o livro não estava ali; "devo ter deixado em cima da escrivaninha do quarto", pensei, chateado por ter que passar toda a viagem olhando através da janela para a escuridão que nos envolvia como uma onda que, surgida em um mar tempestuoso, envolve um barco pesqueiro qualquer perdido na tempestade, sem qualquer chance de defesa. Felizmente a viagem é curta e leva menos de 20 minutos; o grande problema é passar estes 20 minutos olhando para a escuridão. Einstein certa vez usou uma analogia para explicar a sua Teoria da Relatividade, era algo como "Uma hora passada com uma linda mulher parece um minuto, enquanto um minuto sentando em cima de um formigueiro parece uma hora.", pois, neste exato momento, eu sentia-me sentado em cima de um formigueiro.
Quando chegamos à estação seguinte, apenas algumas pessoas entraram na composição, ocupando o resto dos lugares que estavam vagos. Ao entrar no túnel, eu já estava um bocado sonolento, com os olhos cerrados, tentando, em vão, enconstar minha cabeça na janela, quando, por um momento, as luzes da composição começaram a piscar, como se estivessem querendo falhar, espetáculo este que durou apenas alguns segundos. Subitamente, a composição desacelerou brevemente, para em seguida retomar a velocidade normal, o que resultou em um tranco um pouco brusco, o que fez com que os passageiros sacudissem levemente em seus assentos; alguns mau-humorados, como de costume, reclamaram do condutor e balbuciaram alguns palavrões. Enquanto nos recompunhamos do breve saculejo, as luzes da composição piscaram novamente, desta vez com um intervalo maior, e pude sentir que a composição perdia novamente a velocidade. Não dei muita importância para estes acontecimentos pois estava quase pegando no sono, e, à medida que meus olhos foram se fechando, sentia meu corpo leve, e minha mente em um estado de torpor muito agradável.
Acordei subitamente, após uma freada brusca da composição em conjunto com um ruído ensurdecedor do atrito de metal contra metal – o que fez lembrar-me de uma antiga professora de química em minha época de ginásio, que quando queria chamar a atenção da turma, tinha o hábito inconveniente de arrastar, com força, as unhas no quadro negro, provocando um som enlouquecedor -, o que fez com que meu corpo fosse arremessado contra o assento à minha frente e meus pensamentos fossem rapidamente desligados do que quer que seja que eu estivesse pensando naquele momento. Movi meus braços tentando apoiar-me em qualquer coisa; tive, por alguns breves segundos, a sensação de estar despencando do vigésimo andar de um prédio em queda livre, tentando desesperadamente agarrar-me a qualquer coisa que minhas mãos pudessem alcançar. Consegui proteger meu rosto com as mãos antes que ele batesse contra o assento, o que resultou em uma das mãos latejando por algum tempo devido ao impacto.
O ruído, que pareceu um eternidade dentro de meus ouvidos, finalmente cessou e a composição pareceu estar totalmente parada. Algumas lâmpadas, que outrora iluminaram o interior do vagão, estavam naquele momento apagadas, e as poucas que restaram resumiam-se a funcionar mal, piscando como os fogos de artifício que iluminam intermitentemente a orla da praia durante a virada do ano. Olhei ao meu redor e vi algumas pessoas no chão, tentando levantar-se com alguma dificuldade. A maioria, como de costume em qualquer situação fora do cotidiano, estavam em desespero, chorando, gritando, rezando. A escuridão que assombrava o túnel ao nosso redor parecia densa a ponto de querer invadir e tomar os poucos focos de luz restantes. Por um breve instante tive a impressão de que a escuridão estava se movendo e sorria maliciosamente para nós.
Apesar do pânico tomar conta das pessoas dentro daquele vagão, consegui manter a calma. Dirigi-me em direção ao comunicador que permite contato com o condutor, na esperança de conseguir qualquer informação que pudesse nos acalmar. Não tive dificuldade em remover a tampa de acrílico que impedia que o botão se movimentasse. Nesse momento algumas pessoas já estavam um pouco mais calmas, ajudadas pelos poucos que ainda estava lúcidos. Girei o botão para a posição emergência e aguardei, em vão, por uma resposta do condutor. Senti um calafrio quando não obtive resposta; ou o rádio estava quebrado, ou o pior tinha acontecido: o condutor havia morrido com o impacto. Entre gritos, choro e frases desconexas, ouvia-se especulações sobre as possíveis causas daquela parada repentina, mas a verdade é que ninguém tinha a mínima idéia do que realmente tinha acontecido.
Sem o comunicador, que nos permitiria saber se a ajuda estava próxima, e sem um único telefone celular que estivesse com sinal suficiente para fazer uma chamada, não tinhamos muito o que fazer. Lembro-me de alguém ter sugerido que tentássemos abrir as portas, idéia que na hora foi contestada por muitos dos presentes. "E se cairmos em cima dos trilhos eletrificados?", "E se outra composição passar ao lado e atropelar todos que estiverem na linha?". Os argumentos eram muitos, e válidos inclusive, porém, algumas pessoas não queriam ficar muito tempo ali dentro sem saber o que aconteceria em seguida. Caminhei em direção à porta que separa os vagões, afinal, seguindo por ali, estariamos perto de passageiros de outros vagões e poderíamos, de dentro da própria composição, tentar chegar perto do condutor e saber o que houve, se ele por acaso estivesse vivo. Quando me aproximei da porta, no entanto, um frio percorreu-me toda a espinha, fazendo-me arrepiar e sentir uma estranha sensação de medo e solidão, em uma amargura que por um instante tomou conta de meu coração; ao olhar através do vidro, a única coisa que vi foi a escuridão que nos assolava desde o primeiro túnel que entramos, a mesma escuridão que envolvia a composição como uma onda que, surgida em um mar tempestuoso, envolve um barco pesqueiro qualquer perdido na tempestade. Com os olhos arregalados e sentindo o corpo mole, corri na direção oposta, tentando alcançar a outra porta que nos ligava ao outro vagão. Para meu desespero, a única coisa que vi foi a mesma escuridão. Era como se o nosso vagão tivesse sido abandonado no túnel.
- Os outros vagões sumiram! – gritei, sentindo a respiração ofegante.
- Como assim sumiram? – perguntou-me um outro passageiro, que apesar de visivelmente abalado com a situação, tentava manter a calma.
- Olhem através dos vidros! Não há nada a não ser escuridão! Estamos abandonados aqui!
Arrependi-me profundamente de ter pronunciado as últimas palavras, pois após a confirmação visual de que estávamos abandonados ao destino, o pânico instaurou-se novamente; recomeçaram os gritos, choro e rezas.
Quando finalmente nos acalmamos, decidimos, por unanimidade, tentar abrir as portas do vagão e tentar achar uma saída para fora daqueles túneis. Apesar de ter concordado, a idéia não me agradava muito, pois a escuridão do lado de fora parecia agora densa a ponto de querer empurrar o vagão, levando-nos sabe-se lá para onde. Juntamente com outros cinco homens que ali estavam, começamos a forçar a porta, que parecia muito mais forte que todos nós; quanto mais fazíamos força para abrí-la, mais ela fazia força para manter-se fechada. Cheguei a pensar por um momento que o vagão não queria que saíssemos dali.
Inopinadamente, a porta pareceu ceder aos nossos esforços, deslizando bruscamente para os lados, o que produziu um estampido ao terminar de abrir que nos assustou brevemente. Segundos após a porta ter se aberto, um cheiro horrendo entrou, trazido por uma leve brisa, era um misto de azedo e salgado, porém denso e penetrante; naquele momento senti um enorme embrulho no estômago, como se ele estivesse tentando virar pelo avesso sem o meu consentimento. Passado o espanto, e quando o cheiro foi levemente dissipado, viramo-nos para a porta a procura de um caminho a seguir, porém, não conseguíamos enxergar um único palmo a nossa frente. A escuridão que me acompanhava desde o primeiro túnel estava agora tão densa e tão sufocante que chegava a nos ofuscar.
- Vou descer – eu disse, olhando para o chão tentando calcular a altura a que me encontrava deste.
No momento que me preparava para descer, no entanto, fui surpreendido por algo, no mínimo, inesperado. Quando pus o pé para fora do vagão, senti que este chocou-se com algo sólido e rígido. Depois de muito tatear com os pés, concluí que tratava-se de uma plataforma, ou algo no mínimo parecido. Arrisquei apoiar-me com os dois pés, o qual fui bem sucedido. Não fazia o menor sentido, ninguém entendia nada. Como poderia haver uma plataforma no meio de um túnel? E por que diabos não passava nenhuma outra composição por aqueles túneis? A situação que já não fazia nenhum sentido antes, fazia menos ainda agora.
Caminhei cuidadosamente por cima daquela plataforma, cada passo era dado de forma muito cautelosa para evitar cair ou tropeçar em algo inesperado. Apesar de ser bem larga, não consegui saber o quão larga era, mas o comprimento era grande; já havia dado cerca de cinquenta passos sem cair ou tropeçar. Cada passo era acompanhado de meus braços totalmente esticados à frente, como se estivesse buscando uma parede imaginária para me guiar. Algumas pessoas começaram a deixar o vagão e a vir atrás de mim, depois de perceberem que a plataforma era aparentemente segura. O resto, relutantemente, concordou em permanecer no vagão para o caso de alguma ajuda aparecer.
Não sei quanto tempo passamos caminhando naquele passo vagaroso e precavido, mas tenho certeza de que foi bastante. Sempre à frente naquela jornada rumo ao desconhecido, fora eu quem encontrou uma porta fechada à nossa frente. Eu estava tateando cegamente, com os braços esticados a frente, quando senti que minhas mãos haviam tocado alguma coisa. A textura lembrava madeira revestida com fórmica, e sua largura media pouco menos de um metro; quando encontrei a maçaneta, fria e com uma leve camada do que parecia ser ferrugem, tentei girá-la e percebi então que a porta estava trancada, o que não era surpresa. Como não havia qualquer maneira de prosseguir além daquele ponto, a solução foi arrombar a porta, o que se mostrou uma tarefa muito simples quando executada por mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
Ao abrir a porta, quase perdi os sentidos quando novamente aquele cheiro azedo que nos beijou levemente a face quando abrimos a porta do vagão tornou a beijar-nos ao abrir esta porta; desta vez, porém, o cheiro era mais forte e mais azedo. Quando meu cérebro se acostumou com o cheiro, olhei para o lugar que a porta nos conduziu. Duas lâmpadas fluorescentes dispostas horizontalmente em uma calha suja tentavam quase que inutilmente iluminar a sala úmida e quadrada, de aproximadamente vinte metros quadrados, totalmente vazia, com que nos deparamos. As paredes de pedra sem nenhum tipo de acabamento tinham cerca de três metros de altura e formavam ângulos de noventa graus com o teto, tambem sem acabamento, de onde surgiam alguma goteiras. Demorei a reparar uma escada embutida na parede oposta à porta em que estávamos. Os degraus pareciam de ferro e estavam bastante maltratados pela ação do tempo, encontrando-se totalmente oxidados. Olhando para a parte do teto aonde estava a escada, percebi uma pequena entrada de aproximadamente um metro quadrado. Ali jazia toda a nossa esperança de sair daquele lugar.
Escolhemos aleatóriamente um candidato para se aventurar para aquela extremidade. Não demoramos nesta escolha pois a vontade de encontrar uma saída era compartilhada por todos que ali estavam. Quando o sujeito deu o primeiro passo para dentro da sala, no entanto, o inesperado – e inimaginável, diga-se de passagem – aconteceu. As paredes, antes de pedra e sem nenhum acabamento, adquiriram uma cor avermelhada, tão forte que parecia brilhar, com alguns detalhes em amarelo, e pareciam dançar lentamente ao som de uma lenta e hipnótica música eletrônica. O que antes era o teto parecia agora um amontoado de chamas que teimavam em retornar ao lugar de onde queimavam, sem fazer, no entando, som algum. O chão tornou-se um abismo aparentemente sem fim, escuro e sombrio como a escuridão que vinha nos acompanhando desde o início. Passamos a ouvir gritos de agonia e dor profunda, parecia que muitas pessoas estavam sendo torturadas ininterruptamente. Os gritos ecoaram dentro de minha cabeça, como se naquele momento meu cérebro tivesse se transformado em geléria, deixando a caixa cerebral totalmente vazia. Aquele cheiro, azedo, parecia jorrar aos montes de dentro do abismo, desta vez sem trégua ao nosso olfato. O pobre sujeito, que já havia posto um dos pés dentro da sala, não conseguiu segurar-se e despencou, rumo ao desconhecido – ou rumo ao inferno, como um dos presente teimou em apelidar aquela sala. Nada pudemos fazer quando um grito forte e desesperado, recheado de terror foi proferido de sua garganta. Atônitos, ainda ponderando se o que estávamos assistindo era real ou apenas um reflexo maldoso de nossas mentes sobre nossos corpos cansados, só pudemos olhar a queda até que o som do grito fosse sumindo, tornando-se cada vez mais distante, como uma música em processo de fade-out.
Ainda sem conseguir compreender totalmente o que havia ocorrido, ficamos parados ali na porta, contemplando o que parecia ser o ponto mais distante do universo, o ponto aonde ninguém jamais chegara. Se eu fosse religioso, teria acreditado que aquilo era uma das entradas do inferno como alguém disse anteriormente. Tomada pelo desespero que nos consumia, uma das pessoas que integrava o grupo virou-se para fugir, gesto que foi acompanhado por todos os presentes, mas, se aquilo era o inferno, ele não estava disposto a nos deixar fugir. Fomos impedidos de correr quando uma força invisível começou a nos sugar em direção ao abismo, tal qual os integrantes de uma nave espacial que tem um buraco na fuselagem são puxados pelo vácuo. Não havia aonde segurar, e a força era demasiadamente forte. Os mais fracos foram puxados sem oferecer qualquer resistência. Eu consegui me segurar na porta com toda a força que ainda me restava, vendo, impotentemente, as pessoas sendo tragadas para aquele buraco. Alguns tentavam agarrar-se a mim na esperança de permanecerem vivos, e eu tentava ajudá-los a ficar, mas a fome do abismo era maior; eu ouvia os gritos, o choro, sentia o desespero de cada pessoa que passava por mim e era engolida por aquilo. Eu chorava, e mesmo as lágrimas que escorriam para for a de meu rosto era também sugadas pelo insaciável abismo; sentia minha mente derreter como geléia a cada gemido proferido pelo abismo, tive a impressão de que aquilo estava vivo e falava – na verdade, eram grunhidos lentos e abafados, grave como se tivesse sido pronunciado por alguém sem as cordas vocais.
Alguns minutos depois da última pessoa ter sido engolida, minha resistência estava-se esgotando; quando, quase desistindo de segurar-me na porta, ouvi o barulho vindo do abismo cessar, e a força que nos puxava subitamente parou. Caído no chão totalmente tomado pelo cansaço, olhei para trás e vi a mesma sala que viramos quando abrimos a porta. As mesmas paredes de pedra, a mesma escada enferrujada na parede. Fechei a porta e, com o coração acelerado, a respiração ofegante, os olhos inertes pelo terror, tentei correr de volta ao ponto de origem, mas minhas pernas não obedeceram, senti que a escuridão novamente avançava sobre mim; cai inconsciente no chão, com o corpo totalmente inerte.
Quando acordei, estava em um quarto de um hospital qualquer no centro do Rio de Janeiro. O médico me disse que eu estava bem, tivera apenas um desmaio devido à fadiga e recomendou-me diminuir um pouco o ritmo de trabalho. Ao perguntar como havia chegado ali, limitou-se a dizer-me que eu fora trazido por funcionários do metrô, após ter sido encontrado desmaiado na estação da Cinelândia, alguns metros após a entrada do túnel em direção à Zona Norte. Cheguei a retornar à estação alguns dias depois para informar-me sobre o que realmente havia ocorrido, mas tudo o que sabiam é que alguns transeuntes chamaram a segurança ao me ver passar a placa de "Acesso Restrito. Somente pessoal devidamente identificado e autorizado, de acordo com a legislação interna em vigor." e sumir na escuridão. Os funcionários disseram que nunca houve no metrô um acidente grave como o que eu havia reportado; tampouco sabiam da existência de qualquer plataforma dentro dos túneis ou de qualquer sala com a descrição que eu dera.
Apesar de alguns colocarem em dúvida minha sanidade, diante da falta de qualquer evidência que possa comprovar os eventos que presenciei, até hoje, sempre que fecho meus olhos, ainda sinto aquele cheiro azedo impregnando o meu nariz, e ainda posso sentir a densa escuridão avançando em minha direção tentando tragar-me para algum lugar que desconheço qual seja. Quando cai a noite e me recolho para a cama para tentar dormir, ainda posso ouvir os gritos recheados de dor e angústia que alcançavam nossos ouvidos partindo de dentro do abismo; ainda posso ouvir, claramente, aquele estranho grunhido proferido pelo abismo, como se estivesse me fazendo um convite.

quarta-feira, setembro 05, 2007

LIVRO DE VISITAS

Alô, alô! Agora o blog da Irmandade das Sombras também tem seu livro de visitas. Vá lá no rodapé da página que você o encontrará. Deixe sua mensagem nos elogiando muito e dizendo que não pode mais viver sem ler nossos textos horripilantes, ok!?

Abraços a todos!



Henry Evaristo

segunda-feira, setembro 03, 2007

EI, PSIU!

Ei, psiu! Olha lá no rodapé da página. Desde que coloquei o contador de visitas já ouveram mais de novecentas delas por aqui. Me diga se o blog da Irmandade não está com tudo! Hehehehehe...
Henry Evaristo

BESTA-FERA

Ouvi dizer que estava faltando poesia por aqui. Resolvi arriscar e postar esta que fiz como exercício de criatividade lá no Recanto das Letras. Espero que gostem e que não agrida demais as normas dos teóricos das rimas.


BESTA-FERA
Por Henry Evaristo

Minha mente escura e fria
é morada de demônios
que saltam por entre sonhos
nas bordas da luz do dia

Meu olhar é destrutivo
tudo me é passageiro
de meu nicho altaneiro
nada escapa do meu crivo.

Sou um bicho amaldiçoado
besta-fera morta em vida
não há quem me dê guarida
pobre diabo mal-amado!

E na noite escura eu cismo
e procuro meu bordel
não sei se me elevo até o céu
ou me precipito no abismo.

sábado, setembro 01, 2007

Quando Cai a Noite

Por Luiz Poleto
I
Que verdades existem por trás das sombras que dançam por toda a cidade quando esta é tomada pela escuridão e pelo silêncio ensurdecedor da madrugada? Pensei que eu poderia ter ao menos parte da resposta quando entrei para a polícia, meses atrás. Pensei que poderia ao menos entender o que as motiva, o que as fazem rondar à espreita pelas ruas, becos e vielas da cidade; por entre morros, favelas, prédios e condomínios luxuosos.
Logo que me formei no curso de formação de policiais na Academia de Polícia, fui designado para trabalhar no período da noite (acho que trabalhar em horários insólitos e em locais inóspitos é uma espécie de trote com todos os novatos) em uma delegacia cujo bairro era dos mais perigosos no Rio de Janeiro. Como a maioria dos novatos, eu imaginava poder resolver crimes, ajudar pessoas, e tudo o mais o que um policial deve fazer após o juramento feito em sua formatura. Devo dizer, entretanto, que a realidade não é bem o que está escrito em papéis ou acordado em palavras; a realidade é dura como rocha e fria como lâmina de aço – e, eventualmente, costuma cortar-nos a carne.
Após alguns meses de serviço, eu participava então de uma investigação de rotina; roubo seguido de morte, coisa muito comum por aqui: acontecem ao menos dez ocorrências desse tipo por dia. Após algumas semanas de investigação, conseguimos uma pista que nos levava aos prováveis assassinos, bandidos que habitavam a favela próxima à delegacia. A incursão para fazer a prisão seria complicada, afinal, teríamos que enfrentar um pequeno exército de marginais; mas esses riscos fazem parte do trabalho. É uma espécie de brinde que você recebe quando resolve ingressar na corporação – "Joguem-nos na cova dos leões! Vejamos se alguém os salva!". As vezes parece que tem alguém muito sarcástico cuidando do universo.
A incursão estava marcada para o dia seguinte, mas, por algum motivo, havia sido marcada para a noite, e não durante o dia, o que seria o comum. Como eu era apenas um novato, não questionei a decisão. Na hora marcada para a incursão, nos preparamos e apenas uma viatura comigo e mais três policiais saiu em direção ao local. Como seria possível apenas quatro policiais (tudo bem, os outros eram veteranos e tinham mais de dez anos de polícia, mas isso não os tornava à prova de balas) entrarem sem serem feridos na fortaleza do crime? Se a curiosidade matou o gato, a satisfação o manteve vivo.
Após alguns minutos, chegamos ao local aonde presumivelmente estavam os criminosos. Porém, ao observar o local ao redor, pude perceber que não era exatamente o local combinado para a incursão. Estávamos em uma rua residencial, totalmente deserta. A viatura fora estacionada em frente a um terreno de terra que provavelmente servia como campo de futebol, visto que duas traves nada simétricas feitas de madeira agora apodrecida pairavam nas extremidades do campo, que seguia perpendicularmente ao local aonde estávamos. No lado oposto ao local aonde estávamos, uma imensa parede de rocha erguia-se por cerca de 10 metro de altura. Este local provavelmente era a "área de serviço" da imensa favela. Não havia ninguém na rua e, com excessão da conversa dos meus amigos policiais, o silêncio era tanto que algumas vezes tive a impressão de ter o ouvido doendo.
Durante cerca de quinze minutos ficamos ali parados, próximos à viatura. Os três policiais estavam calmos, como se estivessem no intervalo do café. Eu, por outro lado, tremia levemente e já tinha algumas gotas de suor escorrendo pela minha testa. Alguma coisa naquele lugar não me agradava, talvez fosse o silêncio. Enquanto esperávamos, alguns pensamentos passaram por minha cabeça, e um deles, embora relutante, é que talvez estivessem esperando algum "soldado" do tráfico para tentar um acordo – talvez dinheiro em troca de alguma desculpa do tipo "não encontramos os suspeitos". Corrupção não é nenhuma novidade, mas eu não gostaria de fazer parte daquilo.
- O que estamos esperando aqui? – Perguntei, sem, no entando, dirigir a minha questão a um policial específico.
- Faz silêncio, peixe. Os caras que andam roubando aqui na área são dois irmãos, e passam por aqui por volta desse horário para escoltar a mãe deles até a igreja ali embaixo. Como o secretário de segurança está no nosso pé, vamos dar logo um jeito neles. Fica de olho e aprende como tratamos esses casos por aqui. – Respondeu-me Ferreira, o policial mais antigo da delegacia.
Os três policiais viraram-se rapidamente para um estreito beco que saia na extremidade do campo, rapidamente tirando suas pistolas de seus cintos e andando calmamente em direção a dois homens e uma mulher que saíram do beco.
- Mão na cabeça, vagabundo! Anda! – Gritou Ferreira, que naturalmente liderava o grupo.
A mulher, que deveria estar na casa dos 50 anos, afastou-se um pouco dos homens, mas permaneceu ali perto.
Sem falar mais nada, os três policiais – que tinham os olhos ardentes, como se estivessem sendentos por sangue - partiram como lobos famintos para cima dos homens, que naquela hora não eram mais do que meros bezerros perdidos de seu rebanho e entregues à fúria do destino. Socos e chutes eram desferidos incessantemente contra os homens. O festival de horrores e atrocidades durou apenas alguns segundos, sempre acompanhado dos gritos e do choro de desespero da mulher que observava, impotente, aquele circo de horrores. Um dos homens, agora caído no chão e sangrando por todos os poros, tentou alcançar o que pareceu uma arma preso em suas calças.
BANG! BANG! BANG!
Aquele movimento foi o suficiente para um dos policiais apontar a arma friamente para o peito do homem caído e disparar três tiros à queima-roupa. O outro homem, também caído no chão, tinha os olhos arregalados, o suor escorrendo de sua testa, e podia-se perceber o terror e o medo estampado em seu rosto quando foi executado logo em seguida. A mulher, que estava agora aos prantos, tentou correr em direção aos dois corpos caídos inertes no chão. Um dos policiais, porém, foi mais rápido. Da mesma forma que um carrasco participando de uma execução, ele deu um pequeno sorriso e disparou contra a cabeça da mulher. O corpo da mulher caiu – quase posso afirmar que foi em câmera lenta - em meio às risadas de escárnio dos quatro homens. Com os olhos arregalados, sentei no chão e limpei com as costas da mão o suor que agora escorria de minha testa, enquanto tentava controlar a minha respiração, agora ofegante perante a cena grotesca que acabara de presenciar.


II
O que é real? Aquilo que podemos experimentar com os nossos cinco sentidos? O que vi e ouvi têm as caracteristicas para ser classificados como real, mas, perante a natureza dúbia da coisa, acho que real deveria ter uma nova definição.
Os três policiais (ainda reluto muito em chamá-los assim) deram as costas para os corpos inanimados que jaziam no chão e dirigiram-se em direção ao carro. No caminho, Ferreira, com a expressão de quem acaba de comer um imenso cachorro-quente, vira-se para mim e me diz:
- Viu, peixe? Vagabundo desobediente a gente trata assim. Vamos para a viatura e vamos chamar reforços, IML, perícia, e o diabo.
Antes que pudéssemos chegar ao carro, que deveria estar a cerca de 50 metros do local da chacina, eles pararam – os três ao mesmo tempo – e lentamente voltaram-se para trás. Até então eu não tinha entendido o motivo, mas foi então que percebi a luz que começava a surgir de dentro do beco. Um luz vermelha, intensa, quase hipnotizante começava a aumentar gradualmente, iluminando o outrora escuro campo. Bem ao longe, uma série de grunhidos – acho que esta definição é o que chega mais perto do que ouvi – podiam ser ouvidos, proferidos de dentro do beco.
No momento que a luz que saia do beco atingiu o seu ápice, tive que cobrir os olhos com as mãos para não correr o risco de ficar cego, tamanho era a sua intensidade. Abri os olhos novamente quando percebi que a luz começou a ficar mais fraca, e os grunhidos que saíam de dentro do beco tornaram-se mais altos. Quando olhei, vi que três homens saíam do meio da luz. Pude deduzir que eram bandidos pelos fuzis AK-47 que carregavam, um deles mirando para os policiais enquanto caminhava na direção deles.
- E então, "autoridade", tá pensando que vai matar meus soldados e ficar por isso mesmo? – Gritou um dos homens, armando o fuzil, mas, estranhamente, ao invés de disparar, atirou-o no chão.
Os policiais, mais estranhamente ainda, também atiraram as armas no chão e correram em direção aos homens. No meio da corrida, os três pareceram aumentar de tamanho, atingindo cerca de três metros de altura. As roupas simplesmente sumiram e seus braços agora eram longos, quase encostando no chão. A pele, antes clara, agora assumia um tom cinza escuro enquanto as cabeças pareciam desproporcionalmente menores em relação ao corpo. O que diabos estava acontecendo eu não faço a menor idéia, mas, assim como os outrora policiais, o mesmo ocorreu com os bandidos, que também corriam na direção dos policiais.
Um dos policiais – agora eu não conseguia mais distinguir quem era quem -, antes de chegar ao local do confronto, virou-se para mim (que estava a cerca de 10 metros do local) e fez um brusco movimento com as mãos, como se estivesse arremessando algo. Fui arremessado violentamente contra a viatura e caí no chão, de onde não conseguia mais me mover. Estava paralisado, como se uma força invisível segurasse cada um de meus membros.
A cena queu fui obrigado a presenciar era algo grotesco. Aquelas criaturas espancavam-se, e eventualmente clarões das mais variadas tonalidade de cor brilhavam por alguns segundos no ar. Socos, mordidas, chutes, arremessos; tudo acontecia em frações de segundos. Poucos minutos depois, apenas uma das criaturas cambaleava, lutando para permanecer em pé. Uma espécia de líquido violeta cobria quase toda a área em que a luta ocorrera – sangue, provavelmente.
O ser remanescente deu as costas aos corpos caídos quando estes começaram a desintegrar-se, emanando um cheiro pútrido que eu nunca havia experimentado antes e que fez-me vomitar várias vezes seguidas. Quando ele estava na metade do caminho até a viatura, pude ver Ferreira, muito machucado e cambeleando excessivamente, vindo em minha direção. Meu corpo já não estava mais preso e pude ir em sua direção, tentando escorá-lo para não cair.
- O que você viu hoje, peixe, irá derreter seu cérebro como gelatina um dia. A verdadeira guerra irá estourar um dia, e, não importa o vencedor, vocês humanos serão exterminados. É apenas uma questão de tempo. – Proferiu Ferreira antes de cair morto e desintegrar-se como os outros. Aquele mesmo cheiro me fez vomitar mais algumas vezes antes de pegar a viatura e retornar para a delegacia.
Não contei o ocorrido para ninguém na delegacia, pois certamente não seria acreditado. Também tive que alterar a história, dizendo que fiquei na viatura enquanto os outros subiram o morro e nunca mais desceram. Até hoje continuo na polícia tentando encontrar as respostas para as palavras de Ferreira. Nunca mais tive contato com aquelas criaturas, embora eventualmente eu passe no local aonde os eventos daquela noite ocorreram e posso ver, bem ao longe dentro do beco, pequenos pontos vermelhos que se assemelham a olhos, e tenho certeza que de longe eles também me observam.

As Visões do Sr. Vargas

Por Luiz Poleto

Aquela noite no final do mês de outubro pode ser definida, no mínimo, como estranha; o ápice de uma sucessão de eventos bizarros que se prolongaram durante alguns longos meses. Embora os médicos tenham me dado uma explicação científica, não acredito que a ciência tenha resposta para todos os segredos que o universo reserva para a nossa existência insignificante neste imenso vazio cósmico.
Alguns meses antes eu estava então cursando o último semestre de enfermagem de uma renomada universidade federal no Rio de Janeiro, quando iniciei a minha residência na ala psiquiátrica daquele hospital municipal, situado em um bairro nobre na Zona Oeste do Rio de Janeiro; hospital este que é tido como modelo entre os hospitais do município - é um dos poucos que tem uma ala exclusivamente psiquiátrica. O sr. Vargas acabara de ser internado e ocupava a enfermaria número 23, aonde ficava a maior parte do tempo amarrado em seu leito; por acaso, esta era a enfermaria sob os meus cuidados. Ele fora trazido por sua família, após uma série acontecimentos bizarros, aonde uma tentativa de homicídio fora o último ato cometido antes de sua entrada aqui no hospital.
Após a primeira bateria de exames, aliada às declarações da família, sr. Vargas fora diagnosticado como esquizofrênico, mais especificamento do tipo desorganizado, aonde o contato com a realidade e os delírios são os principais sintomas. O fato que chamou a minha atenção foi que, tirando as raras crises – no início aconteciam cerca de duas vezes por mês -, o restante do tempo sr. Vargas era uma pessoa extremamente normal, e não gostava do fato de estar ali internado.
Durante o primeiro mês em que esteve internado, sr. Vargas não teve nenhuma crise, e seu quadro parecia extremamente normal; um leigo diria que não havia motivos para que ele estivesse ali. Durante a semana, na parte da manhã os pacientes deixavam seus leitos para o banho de sol, aonde ficavam passeando ou simplesmente sentados nos bancos, naquele imenso jardim de grama verde brilhante. Os finais de semana eram reservados para visitas, que duravam boa parte do dia.
Foi na primeira semana, durante o banho de sol, que comecei a conversar com o sr. Vargas. Por trás daqueles cabelos e barba grisalhos havia um homem tranquilo, de expressão calma e despreocupada. Conversávamos sobre muitas coisas; ele falava-me sobre seu trabalho, sobre pescaria, sobre os filhos, sobre as viagens que fez, e de como gostava de tudo aquilo. Alguns dias depois, o assunto inevitavelmente voltou-se para o motivo de ele estar ali, e naquele momento aquele homem de 50 anos já não era mais calmo e despreocupado. Seus olhos arregalaram-se e seu sorriso sumiu de seu rosto. Havia algo em seu olhar que nunca havia visto antes; estavam olhando fixos para a frente, como se nada houvesse ali além de um imenso deserto. "Existem coisas no universo que não entendemos, meu caro.", disse-me ele, ainda com os olhos fixos naquele deserto imaginário, "e quando essas coisas resolvem te perseguir, nada podemos fazer.". Ficou ali, parado com aquele olhar sério e preocupado, e pediu para ficar sozinho.
Foi no segundo mês que presenciei a cena que me fez duvidar se ali era o lugar certo para o Sr. Vargas estar internado. Eu estava de plantão na madrugada e fazia uma caminhada pelos corredores – mais para espantar o sono do que para verificar as enfermarias – quando parei em frente à enfermaria 23. Fiquei um tempo olhando através da pequena janela de vidro posicionada a cerca de 1,60 metros de altura do chão e centralizada na porta parcialmente deteriorada pelo tempo, aonde a tinta verde era falha em diversos pontos. Por alguns minutos fixei meu olhar no Sr. Vargas, que aparentemente dormia um sono pesado, deitado de barriga pra cima. Já estava saindo dali e voltando para a sala da enfermagem quando, ao ouvir um pequeno estalo – como que de metal sendo batido contra metal -, voltei rapidamente minha cabeça em direção ao leito que Sr. Vargas ocupava e, estupefato, fiquei ali parado com os olhos esbugalhados assistindo incrédulo àquela cena grotesca. Com um empurrão abri a porta e entrei afobadamente na enfermaria.
Quando entrei na enfermaria, parei a alguns passos de distância do homem que agora levantava de forma estranha de seu leito. Seus movimentos eram lentos e quase estáticos, como se fosse um pequeno boneco sendo manipulado por um experiente e meticuloso artista. À medida que seus movimentos eram concluídos, uma leve penumbra começou a tomar conta da enfermaria; sombras pareciam escorrer como sangue do teto em direção ao assoalho. Um leve tremor começou a tomar conta de mim à medida que os olhos do Sr. Vargas – agora de pé a uma pequena distância de mim – foram adquirindo uma aparência assustadora, aonde as pálpebras agora sumiram dando lugar a uma imensa esfera vermelha, que levemente propagava-se em todas as direções, até tomar por completo os olhos daquele homem.
As luzes existentes na enfermaria não eram mais suficientes para iluminar a penumbra – que para mim pareciam sombras vivas dançando ao som de uma melodia infernal -, e começaram a piscar levemente. Os outros pacientes, misteriosamente, não acordaram, embora um pequeno zumbido estivesse lentamente ocupando o ambiente. Enquanto olhava ao redor tentando entender o que acontecia, um calor começou a tomar conta de meu braço esquerdo, acompanhado de uma leve pressão. Dei um pulo e percebi que era o Sr. Vargas que segurava meu braço, apertando agora com mais força. Antes que eu pudesse pronunciar qualquer coisa, sua boca abriu-se para proferir algumas palavras em um idioma que eu nunca antes havia ouvido. Os sons que eram pronunciados, a propósito, não se pareciam com nenhum som que eu já houvesse ouvido em toda minha vida, o que fez que uma onda de terror tomasse conta de me corpo e me deixasse paralisado naquele momento. Tentei gritar, inutilmente pois nenhum som saia de minha garganta, quando de dentro da boca daquele homem começaram a surgir o que pareciam pequenos tentáculos, que moviam-se dançando a mesma melodia macabra que dançavam as sombras nas paredes. Antes que eu pudesse esboçar qualquer reação, quatro daqueles tentáculos retrairam de dentro de si o que parecia ser pequenas e grossas agulhas, que em um movimento brusco foram fincadas sem qualquer dó nas laterais de minha cabeça. Pude sentir quando as agulhas espetaram meu cérebro, me fazendo desferir um hurro de dor.
Acho que eu estava para perder a consciência quando as sombras eram mais intensas. A enfermaria agora não parecia mais a mesma. Eu tinha a sensação de estar ali, mas tinha certeza de que estava em outro lugar. Os pacientes deitados nos outros leitos agora não eram mais do que um amontoado de carne pútrida e ossos sujos, o mal cheiro agora impregnava minhas narinas como facas sem ponta sendo enfiadas à força. Quando meu corpo estava quase desfalecendo, os tentáculos entraram um pouco mais dentro de minha cabeça fazendo com que meus olhos quase saltassem de suas órbitas. As paredes que outrora contornavam a enfermaria estava agora repleta de corpos nadando em um imenso mar de enxofre, que embora não tivessem rostos, podia-se sentir a agonia e a dor que sentiam, movendo-se desesperadamente como se estivessem tentando fugir de onde quer que estivessem. Não havia mais teto nem assoalho na enfermaria, e a sensação que eu tinha era de que meu corpo flutuava por entre nuvens de gás metano. A gritaria das pessoas – se é que eram pessoas – nas paredes feria meus ouvidos de tal forma que pude sentir o sangue escorrendo.
Virei-me para o Sr. Vargas na tentativa de tentar qualquer contato com ele, mas não foi preciso. Entre as palavras balbuciadas pelo homem que quase esmagava meus braços e me fazia viajar por entre um céu de agonia e sofrimento, pude identificar apenas algumas palavras que pareciam querer dizer "o seu círculo existencial está prestes a ser consumido pelo fogo e pela solidão.". Não entendi muito bem o que aquelas palavras queriam dizer, mas pude sentir dentro de mim um sentimento de tristeza profunda, como se toda a minha energia vital estivesse sendo consumida por aquele homem – ou ser. Antes que eu pudesse ter qualquer outra reação, o homem soltou meus braços e os tentáculos saíram de minha cabeça, o que me fez dar outro hurro de dor. Caido no chão, pude ver quando os olhos do Sr. Vargas começavam a voltar ao normal, os tentáculos já haviam sumido de sua boca. Na hora em que ia sentar-se em seu leito, porém, Sr. Vargas abre a boca de forma assutadora fechando os olhos. Seu corpo estava enrijecido como pedra, suas mãos estavam quase que invertidas e sua cabeça levemente virada para a direita. Tremendo de forma absurda, o homem soltou um grito quando um enorme corte rasgou seu braço esquerdo de uma extremidade à outra; o sangue jorrava para todos os lados. Tentei me levantar mas todo o esforço foi inútil, eu ainda encontrava-me extremamente entorpecido pela viagem que havia feito. Minha única alternativa foi soltar o grito mais alto que pude na esperança que alguém viesse socorrer-nos, e esta foi a última coisa que me lembro de ter feito antes de desmaiar no chão da enfermaria.
Acordei alguns dias depois, de acordo com o médico, na emergência do hospital. Fui informado que Sr. Vargas havia morrido devido a um ataque epilético, e que não havia nenhum sinal dos cortes desferidos em seu corpo como eu havia relatado; fato que constatei com meus próprios olhos ao ver o corpo ainda no necrotério do hospital. Na enfermaria, todos os pacientes encontravam-se em seu estado normal de saúde – salvo as doenças mentais que tinham. Do sangue, dos corpos nas paredes, das sombras, não havia nenhum vestígio. Minha cabeça também não mostrava sinal algum da perfuração feita pelos tentáculos. Para onde fui levado naquela noite ainda não sei, mas ainda tenho a impressão de que era um lugar bem mais perto do que imaginava. Até hoje ainda sinto que aquele lugar está separado da nossa realidade por uma fina membrana que pode ser rompida a qualquer momento. Quando terminei a faculdade, deixei meu trabalho naquele hospital – embora tenha recebido o convite para permanecer trabalhando lá – e passei a correr algumas cidades aonde houveram relatos parecidos com o ocorrido com o Sr. Vargas. O que me espera no futuro com certeza não deve ser pior do que o que vi naquela noite.

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Excomunhão

Por Mephisto

Quando retornei, após dois dias de ausência, vi que meu povoado estava devastado.

Cravaram postes à frente de cada uma de nossas casas. Tantos quantas eram as pessoas que lá habitavam. E, em cada um dos postes, havia um membro da família enforcado.
Um corredor de pessoas dependuradas e mutiladas era o que se estendia à minha frente.

Era ao fim da única rua, e ao lado da pequena capela, na qual o frade Memphys dizia as suas missas coléricas, que eu morava com meus pais e a minha irmã. E, como era de esperar, eles também eram um exemplo perfeito do que a atrocidade pode fazer: meu pobre pai tivera os olhos arrancados, talvez antes de ser enforcado; minha mãe, ambas as mãos pregadas àS laterais da haste; e minha irmã, a se deduzir do sangue coagulado que descia de suas coxas até os pés, fora violentada em plena infância.

Lamento confessar que toda essa cena não me causou maior terror que a sinistra solidão de um quarto poste. O poste erigido em minha homenagem. E que me esperava.

Antes de imaginar que tortura cruel me aguardava, se dali não fugisse como um alucinado, senti uma espécie de bafo quente, carregado de pestilência, roçando a minha nuca. Então fui içado ao alto do poste. Senti uma compressão no pescoço e o calor de garras poderosas a trucidar o meu pênis. Eu nada via. Apenas sentia o cheiro sulfúrico que vinha de um farfalhar às minhas costas, irregular como se provocado pelo abanar de asas de morcego.

Quando eu enveredava no vale sombrio da morte, um único lance de olhar me permitiu ver os chifres e as patas caprinas de meu algoz. Ele retornava serenamente à capela, de onde provavelmente viera. E, aos poucos, as suas asas de morcego se retraíam em direção ao chão, ganhando a forma de um hábito franciscano.

Somente agora sei por que o frade, durante longos anos, tanto falava de Satanás e do fogo dos infernos... E por que, embora não ousássemos tocar no assunto, as hóstias dominicais ardiam em brasa ao contato dos nossos lábios cristãos...

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A uma taça feita de um crânio humano

Aproveitado o embalo como dizemos aqui em Sampa, outro clássico da poesia sombria.


Por L. Byron

Tradução: Castro Alves

Não recues! De mim não foi-se o espírito...
Em mim verás - pobre caveira fria -
Único crânio que, ao invés dos vivos,
Só derrama alegria.

Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! empina-me!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus.

Mais val guardar o sumo da parreira
Do que ao verme do chão ser pasto vil;
-Taça - levar dos Deuses a bebida,
Que o pasto do reptil.

Que este vaso, onde o espírito brilhava,
Vá nos outros o espírito acender.
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro...
Podeis de vinho o encher!

Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,
Quando tu e os teus fordes nos fossos,
Pode do abraço te livrar da terra,
E ébria folgando profanar teus ossos.
E por que não? Se no correr da vida

Tanto mal, tanta dor ai repousa?
É bom fugindo à podridão do lado
Servir na morte enfim p'ra alguma coisa!...