sábado, novembro 24, 2007

A Recompensa das Trevas

Por Mauren

A Dona Leucádia era uma senhora idosa. Vivia isolada e, quem passava pela frente de sua casinha, à noite, jurava ouvir alguns barulhos estranhos, como grunhidos. Naquela pequena cidade do interior, ainda havia bastante preconceito, e eu observava como as pessoas a olhavam, com um misto de curiosidade e de desprezo, sempre que ela ia à feira, ao banco, enfim, nas raras vezes em que ela saía para a rua.
Eu também me sentia um pouco deslocada naquele lugar. Parecia que as pessoas me olhavam com estranheza. Embora eu não tivesse absolutamente nada de anormal – pelo menos, nada que devesse ser considerado anormal em pleno século XXI , as pessoas daquele lugarejo tinham uma certa resistência comigo pelo simples fato de eu ser forasteira e de haver morado na cidade grande. Por isso, fui desenvolvendo uma certa simpatia – aliás, empatia  por aquela senhora. Até que, um dia, resolvi me oferecer para ajudá-la a carregar suas compras até sua casa. Ela espantou-se. Primeiro, achei que fosse por não estar acostumada a gentilezas. Mas o olhar que ela me lançou  um olhar profundo, que parecia vir de dentro de sua alma e passar por seus tristes olhos azuis  arrepiou-me um pouco. Ela fez um silêncio significativo e me encarou com um ar de censura que chegou a me desconcertar.
 Tu jamais deverias dar tanta confiança a uma estranha  disse, finalmente, em voz baixa.
 Desculpe, senhora  respondi.  Eu não quis assustá-la, eu só queria ajudar...
 Eu sei, minha filha. Eu sei. E não é por mim que eu temo, mas por ti...
Pegou as compras e saiu, caminhando mais depressa do que a saúde lhe permitia, e deixando-me intrigada com seu estranho comportamento.
Alguns dias depois, eu estava na fila do banco, quase na boca do caixa, quando a vi entrar. É certo que existe uma lei que diz que os idosos tem preferência de atendimento; mas também é certo que nem todas as leis são cumpridas neste país. Portanto, ao ver que ninguém tomaria a iniciativa de chamá-la para o atendimento preferencial, ofereci-me para trocar de lugar com ela.
Ela aceitou, não sem me olhar de uma forma que me assustou um pouco. Foi atendida e saiu do banco. Eu ainda levei um bom tempo para isso. Mas, quando saí, encontrei-a na porta. Estava me esperando.
 Filha  disse ela , estou vendo que és uma boa moça.
Sorri, um pouco encabulada, mais por ter sido chamada de “moça” do que por qualquer outra coisa  quando se passa dos trinta, isso é um tremendo elogio.
 Obrigada, senhora.
 Mas eu preciso te dizer uma coisa: não confies assim nas pessoas. Especialmente nas pessoas estranhas. Nas pessoas diferentes.
 Ora, mas por que não? Em geral, é tudo gente boa.  Aproximei-me dela e cochichei:  Esse pessoal daqui é meio preconceituoso, mesmo, mas isso não passa de bobagem, afinal, todos somos filhos de Deus.
 Nem todos.
Franzi a testa e a olhei com um interesse redobrado.
 Se meus conselhos não te convencem, filha  disse ela , gostaria de poder te contar a minha história...
 E por que não? A senhora não quer ir tomar um chimarrão comigo, lá em casa?
Ela estremeceu e olhou em volta, de repente muito vermelha. Parecia que eu a tinha convidado para cometer um crime, de tão constrangida que se mostrou.
 Está bem  disse, baixinho.

Dona Leucádia havia sido professora. Há muitos anos, tinha morado numa cidade distante. Sempre gostara de crianças e adorava seu trabalho. Mas, embora cuidar dos pequeninos a deixasse muito feliz, tinha uma grande tristeza: casada há mais de sete anos, ainda não tinha filhos.
Naquele tempo, havia chegado em sua cidade uma misteriosa senhora. Morava numa casa isolada, no final de uma rua. Na verdade, num casebre estranho e lúgubre, onde, noite adentro, os passantes juravam ouvir gemidos agônicos e outros sons aterradores.
A Professora Leucádia sabia muito bem o que era o preconceito. Seu pai fugira da Alemanha nazista por sofrer perseguição política  e, quando chegara no Brasil, o primeiro xingamento que lhe haviam dirigido tinha sido justamente “porco nazista”. Além do mais, por ser protestante num país de maioria católica, tinha sido bastante discriminado durante um bom tempo. Na época em que Leucádia se tornara adulta, esse tipo de preconceito já vinha perdendo força, mas ainda apresentava algumas reminiscências. De qualquer forma, ela tomara as dores da mulher – a bruxa, como todos a chamavam. E passara a nutrir por ela a mesma simpatia que, nos dias de hoje, eu nutria por Dona Leucádia.
Certo dia, ao final das aulas, um grupo de garotos viu essa senhora passar diante da escola e começou a importuná-la. Gritaram-lhe imprecações. Um dos garotos pegou uma pedra e jogou na velha. Imediatamente, a Professora Leucádia o agarrou por um braço  naquela época, ainda existia tal prerrogativa para os mestres  e o arrastou para dentro do prédio escolar. Passou um sermão nos outros garotos e mandou que a deixassem em paz, senão iria tomar providências.
Então, aproximou-se da velha e perguntou como ela estava. A velha sorriu, respondeu-lhe que estava bem e agradeceu. Então, convidou-a para ir à sua casa. A professora aceitou.
Quando entrou na casa da velha, Leucádia sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. A casa era escura, mal se via dentro dela. Uma vela queimava num canto. Era inverno, e o sol já se pusera. A casa era fria e úmida. A velha lhe ofereceu uma cadeira e Leucádia se sentou.
 Minha filha  disse a idosa , em muitos anos, nunca pessoa alguma foi tão gentil comigo como foste hoje. Por isso, eu quero te recompensar.
 Não precisa, senhora. Não fiz mais do que minha obrigação.
 Ah, precisa sim, querida. Vamos  e olhou-a de um jeito que, à luz da vela, arrepiou-lhe até a alma.  Tem algo que eu possa fazer por ti?
Leucádia sorriu com tristeza.
 Não, minha senhora. Levo uma vida simples, mas tenho tudo o que quero.
 Tudo mesmo, minha cara?
Leucádia suspirou.
 A única coisa que eu gostaria de ter é algo que a senhora não poderia me dar...
 E o que seria, minha querida?
 Bem, eu gostaria de ter um filho. Mas isso não é possível...
 Quem disse que não é possível?
A velha aproximou o rosto do dela. Leucádia sentiu-lhe o hálito  um hálito estranho, mofado, como que de coisa muito antiga e há muito tempo guardada longe da luz do sol.
 Realmente  disse , não é algo fácil. Requer um sacrifício. Mas há de ser um pequeno sacrifício, minha querida.  Sorriu com uma certa malícia.  Nada que não valha o que você receberia em troca.
 Como assim?
A velha cravou-lhe os olhos, e Leucádia os sentiu tão frios que estremeceu.
 Vida por vida  disse ela.  Traga-me aqui um ser vivo. Qualquer ser vivo. E posso lhe garantir que você terá o seu bebê.
Leucádia levantou-se de chofre.
 O quê? A senhora é mesmo uma... bruxa, e está me propondo sacrificar um animal num ritual de bruxaria?...
A velha deu uma risadinha.
 Mas o que você está dizendo, minha cara? Bruxa, eu? Não é o que os católicos dizem acerca dos protestantes, que são bruxos, hereges, adoradores do demônio?
 Ora, alguns até dizem isso, mas não é verdade!
 E o que é a verdade? sorriu, aproximou-se da professora e passou a mão pelos cabelos louros dela.  Não deixe que mais um preconceito a afaste da felicidade, minha querida. Não precisa me responder hoje. Vá para sua casa e pense no que lhe propus. Se abrir sua mente e seu coração a uma possibilidade diferente das que conhece, terá o que tanto deseja, e é algo que, até agora pelo menos, parece que seu Deus não lhe deu...
Leucádia voltou para casa entre enojada e enraivecida. Durante vários dias, quando passava pela velha na rua, não a cumprimentava. Mas podia vê-la sorrir com malícia, de canto de olho. E, ao passo em que os dias transcorriam, sentia a tentação crescer dentro de sua alma. Era verdade, seu Deus não lhe dera filhos. E depois... Que mal teria? Não estaria vendendo a alma, apenas entregando um bicho. Um bicho. O que era um bicho diante de um ser humano que haveria de nascer?...
Leucádia tinha um gato em casa. Quando adotara o animalzinho, apegara-se bastante a ele. Era um gato vira-latas, completamente preto, que ela encontrara no ano anterior, quase morto de frio, diante de sua porta. Não era exatamente um bom gato  acostumado à luta pela sobrevivência, arranhava, mordia, destruía sua mobília e fazia as necessidades em seus vasos de plantas. Seu marido detestava o animal. Implicava com ele o tempo todo. Mas Leucádia transferira para ele parte de seu instinto maternal, e o adorava.
Certa tarde, porém, quando chegou em casa, encontrou-a na mais completa desordem. O gato havia se pendurado numa cortina e derrubado o trilho desta por cima de uma estatueta, que se partira. Certamente ficara nervoso com os barulhos que sua artimanha causara, e resolvera se acalmar destruindo o forro do sofá com as unhas. Não contente com isso, entornara seu pires e deixara um rastro de marcas de patas sujas de leite e terra por todo o assoalho, desde a cozinha até a cama do casal, em cima da qual se enroscara e dormia.
Leucádia pensou na reação do marido e sentiu o sangue ferver.
Imediatamente, agarrou o gato e o enfiou dentro de uma gaiola que utilizava para quando precisava levá-lo ao veterinário, deixou um bilhete com uma desculpa qualquer para o marido e se dirigiu à casa da velha, com passos largos e decididos.

Quando se aproximou da casa da bruxa, sentiu o arrependimento embotar-lhe os passos. Olhou em volta. Não havia ninguém na rua. Engoliu em seco. Sentia-se mal com aquilo. O animal a olhava com os olhos muito redondos e arregalados, e tremia, como se soubesse que destino que o esperava... E sua consciência pesava terrivelmente. Deus, o que estava fazendo? Deu meia-volta.
Nesse instante, porém, a porta se abriu e ela ouviu a voz rouca da velha:
 Entra, Leucádia. Eu já estava esperando por ti. Sabia que virias hoje.
A professora teve ímpetos de correr, mas algo a deteve. Voltou-se e entrou na casa, que lhe parecia ainda mais assustadora. A velha fechou a porta e a trancou. Então, aproximou-se da gaiola.
 Vejamos, o que temos aqui  disse, abrindo a portinha e estendendo a mão magra e ossuda para dentro da pequena jaula.
Imediatamente, o animal a arranhou.
 Ora, mas que bicho estúpido! resmungou ela.  Vamos, Leucádia, tire-o daí e venha atrás de mim. Já está tudo preparado.
A professora obedeceu. Algo no ambiente esfumaçado a atordoava, parecia-lhe estar num sonho. O gato deixou-se apanhar e carregar nos braços de sua dona até a sala contígua, onde havia uma mesa coberta por um pano negro. Em cima dela, um castiçal com três velas, um punhal e uma bacia.
 Vamos, dê-me o ser vivo...
Leucádia estendeu-lhe o gato. Porém, ao sentir o toque das mãos da velha, o animal arrepiou-se, grunhiu e tentou escapulir. A velha tentou agarrá-lo. Então, com suas unhas afiadas, o bicho rasgou-lhe o rosto, vazando-lhe uma das vistas.
A velha soltou um berro e o animalzinho correu para um canto escuro.
 Meu Deus! gemeu Leucádia, agarrando o pano preto e pressionando-o contra o ferimento.
 Que maldita fera é esta que tu me trouxeste, desgraçada? gritou a velha.
 Desculpe... Desculpe, senhora, eu não sabia que ele ia fazer isso... Vou chamar uma ambulância...
A velha largou o pano e a encarou. Leucádia estremeceu. O olho que lhe restava parecia soltar chamas.
 Não  disse ela.  Eu estou bem. Posso cuidar disso depois. Agora, vamos prosseguir. Encontre-o.
Atônita, Leucádia procurou o gato, que se escondera embaixo de um armário. A velha se aproximou e abaixou-se, dizendo algumas palavras estranhas numa língua que a professora não compreendia. Estranhamente, o animal deixou-se agarrar e levar novamente para cima da mesa. A velha continuou com sua invocação. Seus gestos eram pausados e lentos, e pareciam hipnotizar o gato. Porém, muito de repente, tomou o punhal, cravou-o no pescoço do bicho e puxou-o de volta. O sangue, muito rubro, jorrou com força, e a velha o recolheu na bacia. Imediatamente, o gato voltou do transe e tentou se debater, mas a velha enfiou-o no recipiente. Então, pegou uma das velas e, recitando sabe-se lá que palavras, levou a chama ao sangue, que pegou fogo como se fosse álcool. O gato ainda estava vivo e contorcia-se terrivelmente. As chamas o consumiam, mas não pareciam causar qualquer dano à mão da velha que o segurava dentro da bacia. O cheiro de pêlo queimado empestou o lugar. Leucádia olhava horrorizada. O couro do animal se enrugava, a carne soltava-se de seus ossos, deixando entrever borbulhas aterrorizantes que emergiam desde suas entranhas. No entanto, ele permanecia vivo  vivo e padecendo aquele sofrimento horrível...
Até que, finalmente, ficou imóvel.
No mesmo instante, o fogo se extinguiu e a velha olhou, sorrindo, para Leucádia.
 Agora  disse , vá para casa e pertença a seu marido. Dentro de alguns meses, você terá a sua recompensa.

Leucádia se revolvia em dores de parto. Mas estava feliz. Finalmente teria o filho por que tanto ansiara. Finalmente, seu marido sentiria orgulho dela. Até que, de repente, pareceu-lhe que seu corpo se rasgara, e, então, ouviu um choro de criança.
Mas não era um choro comum.
O médico e a enfermeira se entreolharam. O doutor fez sinal à auxiliar para que embrulhasse a criança e a levasse dali.
 O que foi? perguntou Leucádia, ofegante.
 Nada... Nada  mentiu o médico.  É um menino, professora. Agora, descanse.
 Não quero descansar. Eu quero ver o meu bebê.
 Depois, professora.
 Não, agora! Cadê o meu bebê? Não o levem! Onde ele está?...
A enfermeira aproximou-se, com a criança, já enfaixada. Tinha o semblante pesado e hesitava um pouco. Olhou para o médico.
 Bem  disse o doutor , mais cedo ou mais tarde, ela vai ter que vê-lo...
A enfermeira entregou-lhe o embrulho. Leucádia destapou o rosto da criança e soltou um gemido de horror.
O menino tinha o lábio superior cortado por uma fenda que ia até o nariz, aliás, tão pequeno que quase não existia. Seu rosto apresentava grande quantidade de pêlos negros. E o ruído que ele emitia não parecia um choro de criança  na verdade, parecia mais um grunhido, ou mesmo um miado...

 Desgraçada! berrou Leucádia, encarando a bruxa, ao mesmo tempo em que ainda sentia as dores dilacerarem-na.
 Calma  respondeu a velha.  Não podes ficar assim. Tiveste um parto muito difícil.
 O que fizeste com meu bebê, sua infeliz?
 Eu? Não fiz nada. Tens o bebê, como eu te prometi, não tens? Eu cumpri com a minha parte. Não tenho culpa se os deuses não gostaram da tua oferenda...
 Deuses? Teus deuses são demônios!
 Ora, mas que te importa o que eles sejam, minha cara? O que importa é que tens o teu filho. E, se te acalmares, posso até solucionar o que aconteceu.
 Como, solucionar?
 Ora, minha querida. Essa criança vai crescer.  A velha fez uma pausa e a encarou. Tinha novamente os dois olhos, embora Leucádia não soubesse se um deles não seria de vidro; de qualquer forma, ambos pareciam mirá-la perfeitamente.  Muitas crianças nascem com mal-formações congênitas que acabam desaparecendo ao longo da infância...
 Mal-formações?...
 Claro, minha querida. É o que parece ser o caso do teu bebê. Ele não é um animal, é um ser humano; pode se parecer com um animal, mas é humano. Aliás, é justamente isso que lhe falta: humanidade. Se tivéssemos mais humanidade para lhe dar, tenho certeza de que poderíamos resolver os seus problemas, e os médicos pensariam que eram apenas defeitos genéticos que o tempo minimizou ou fez desaparecer.
 Como assim mais humanidade?
A velha aproximou-se dela, com seu hálito de mofo invadindo-lhe as narinas.
 Vida humana por vida humana  sussurrou-lhe ao ouvido.  Traga-me a vida de um homem e eu devolverei a seu filho a forma de um homem.
 Estás louca? Monstro! O que mais quer de mim, bruxa desgraçada? Ah, mas não vais mais enredar ninguém com tuas artimanhas, porque eu vou te matar!
 Eu não faria isso, se fosse tu. Lembra-te de que o que eu fiz, só eu posso desfazer. Mas, para isso  passou novamente a mão pelos cabelos da professora  eu preciso do sangue de um homem. Traga-me o sangue de um homem e seu filho será um homem.
 Vá para o inferno, sua bruxa maldita! gritou a professora, deixando a casa e batendo a porta atrás de si.

O menino cresceu recluso. Leucádia não o deixava sair de casa, com medo dos olhares preconceituosos da sociedade. Mas dentro do próprio lar ele também não tinha paz. Seu pai o desprezava. O marido de Leucádia revoltou-se imensamente com o destino que lhe dera um filho deformado. Começou a beber. Tornou-se violento. Espancava o menino e, de vez em quando, também batia na mulher.
O garoto, por sua vez, tinha um temperamento indócil e estranho. Não que lhe faltasse a inteligência humana; mas esta parecia ter-se misturado aos mais terríveis instintos de um predador. Quando o pai lhe batia, revidava a mordidas, até o ponto em que, acuado, corria a esconder-se nalgum canto escuro. Às vezes, também mordia e arranhava a mãe. Mas o pior era seu olhar. Tinha olhos castanho-claros, nos quais as pupilas pareciam permanentemente dilatadas, e franzia a testa de uma maneira terrível, sinistra.
Certa tarde, quando a mãe chegou do trabalho, saltou sobre ela, de repente, derrubou-a e começou a mordê-la.
Já estava se tornando um adolescente. Leucádia não sabia mais o que fazer. Sofria uma culpa esmagadora e, apesar de tudo, amava o filho  amor esse que multiplicava-lhe os sofrimentos, quando percebia que o jovem era suficientemente sensato para perceber que era anormal e que tinha uma vida infeliz e solitária pela frente...
Até que, determinada noite, o marido de Leucádia chegou, bêbado, e deu um tapa no garoto. Este lançou-se em seu pescoço, para mordê-lo. O homem o atirou com força contra uma parede. O garoto soltou um guincho inumano e correu para se esconder nalgum lugar.
 Por que fizeste isso? perguntou Leucádia.  Ele estava quieto, não te fez nada! Tu é que o provocaste!
 Cala a boca, mulher! berrou ele.  A simples presença desse monstro já me ofende! E fica sabendo que só ainda não o matei porque ele bem que sabe se defender. Mas, qualquer dia desses, eu o pego de surpresa, e aí vais ver o que lhe acontece!
Leucádia o olhou com horror. O homem ligou a televisão, agarrou uma garrafa de canha num armário bebeu um gole, no gargalo, deixando-se cair num sofá. Leucádia o olhou com raiva.
De repente, uma idéia insinuou-se em sua mente.
Sem que ele percebesse, saiu da sala e deslizou até a cozinha, saindo da casa pela porta dos fundos.
Mas, enfurecida como estava, não se lembrou de trancar a porta e não percebeu quando uma sombra sorrateira a seguiu pelas ruas da cidade.
Caminhou até a casa da bruxa. Desta vez, não sentiu qualquer ponta de remorso. Muitos anos de sofrimento haviam-lhe curtido o coração. Não tinha pena alguma. Quando a velha atendeu, disse-lhe que naquela noite lhe traria sangue humano. Que queria que seu filho fosse curado. Só não sabia como trazer a vítima...
 Ora, mas não precisas trazê-lo aqui  respondeu a velha.  Basta que o mates e que me tragas seu sangue.
 Melhor. Assim é mais fácil.
 Agora vai, querida. Vou preparar tudo.
E, enquanto Leucádia voltava para casa, a bruxa começava a recitar suas ladainhas pagãs.

Quando Leucádia chegou de volta, a garrafa de cachaça estava quase vazia ao lado do sofá, e seu marido dormia, ressonando pesadamente. Não iria acordar com facilidade. Leucádia foi à cozinha e pegou uma faca afiada e uma bacia de lavar louça. Aproximou-se dele, pé ante pé. Encostou-lhe a faca no pescoço.
Nesse instante, ele abriu os olhos.
Leucádia não hesitou.
O homem ainda conseguiu se levantar e emitir algum som, levando as mãos ao corte profundo que lhe abrira as artérias, mas logo estava suficientemente fraco para que Leucádia o dominasse e o derrubasse no chão, firmando-o com um joelho sobre sua barriga. Ela recolheu o máximo de sangue que pôde na bacia. Percebeu que os movimentos do marido foram se tornando escassos, até que seus olhos se vidraram e seu rosto se paralisou numa expressão de desespero. Levantou-se e o olhou com desprezo. Então, cobriu a bacia com um pano e se foi para a casa da bruxa.

Ao chegar lá, porém, percebeu que a porta estava aberta.

Entrou, sentindo uma angústia sufocá-la, e logo viu, à pouca luz de uma vela, o que lhe pareceu ser um animal devorando sua presa. E imediatamente uma intuição clarividente a fez perceber o que acontecera.

Seu filho. Seu filho monstro. Ele a seguira, em meio à noite. Ansioso como um predador. Talvez, de alguma maneira, trouxesse em si o ódio que o animal sacrificado sentira pela feiticeira...
E agora, saltara sobre a velha, e seus dentes haviam-lhe dilacerado a garganta, ao mesmo tempo em que suas unhas haviam-lhe rasgado o rosto a ponto de torná-la irreconhecível...

Olhei para a assassina confessa que tinha diante de mim e procurei perceber se havia algum sinal de remorso em seu olhar. Sim, havia.
Não me atrevi a perguntar o que acontecera depois. Provavelmente, tinham fugido da polícia, que não havia conseguido solucionar o caso. E também, provavelmente, os guinchos que se ouvia ao passar por diante de sua casa eram os guinchos de seu filho, enclausurado – talvez enjaulado e acorrentado por toda a sua vida, pagando pelos pecados dele e pelos de sua mãe...
Dona Leucádia percebeu meu desconforto e me lançou um olhar triste.
 Bem, minha filha, vou-me embora. Não precisas me cumprimentar quando passares por mim na rua. Eu vou entender.
Suspirei profundamente.
 Não, é que... Bem... Quanto tempo faz isso, mesmo?
 Mais de trinta anos.
 Então... Se é que essa história é verdade, e se é que a senhora cometeu mesmo esse... crime, isso... Isso já prescreveu  balbuciei.  Não pode mais ser punido, pelas leis do país. E... Bem, se as leis digam que deve ficar assim, não sou eu quem vou dizer o contrário...
Ela riu, com certa condescendência.
 Claro, minha filha, que não vais contar essa história para ninguém.
 Com certeza, Dona Leucádia. Não quero ir parar num hospício.
Ela se levantou e ia saindo quando uma dúvida me assaltou e a chamei:
 Espere, Dona Leucádia. Há uma coisa me intrigando...
 O quê?
 Se essa... essa, digamos assim, feiticeira foi capaz de prever que a senhora iria visitá-la naquele dia levando o gato, por que ela não foi capaz de prever que seu filho iria atacá-la?
A velha suspirou.
 Porque, minha filha  e me encarou com tristeza, enquanto uma lágrima escorria do canto de um dos seus olhos  a recompensa das trevas é assim mesmo: só pode trazer a dor, o sofrimento e o mal, e nunca o bem...

terça-feira, novembro 13, 2007

O Observador

Por Cayus

Tudo começou como uma brincadeira.
Ele chegou cedo em casa, acendeu as luzes e deitou-se na cama. Estava cansado. Trabalhara o dia inteiro, mas finalmente havia chegado ao seu doce refúgio. A casa era de dois andares, num subúrbio do Rio Grande Do Sul, pequena e aconchegante. Suas paredes brancas contrastavam com a solidão de seu interior vazio e fúnebre. Só possuía 3 peças o casebre. Um banheiro e cozinha embaixo com o quarto na parte superior. Jorge havia se mudado há pouco tempo, não conhecia muita gente, não possuía muitos móveis, mas tinha sua morada como um esconderijo, uma fortaleza. Era o que mais gostava no dia. Poder deitar naquela cama, se espreguiçar pra todos os lados, ninguém pra perturbar. Sequer um bichinho de estimação. Mas como disse, tudo começou como uma brincadeira.
Lá estava Jorge relaxando, tranqüilo na nova casa, quando ouviu um ruído vindo da basculante. Era um ruído próximo, como se fosse ao lado da cama, mas ele estava no andar de cima. O que poderia haver do lado de fora da casa? Nem mesmo havia reparado nisso quando a comprou. O barulho persistiu.
Jorge levantou-se meio sonolento ainda e caminhou naquela direção, tentando descobrir o que fazia aquele som. Aproximando-se da janelinha, pôs os olhos furtivamente sobre o vão do vidro e observou uma deliciosa cena: uma loira de cabelos compridos, alta, seios fartos, cintura perfeita, tomando banho na residência ao lado da sua. Uau!
Ele ficou estagnado por um momento, quase teve um espasmo de alegria, mas conteve-se refletindo na situação. Será que deveria continuar ali onde estava? Observando como um tarado qualquer que espreita uma cena perniciosa? “Claro que sim!” Pensou ele instintivamente.
Na verdade tivera a maior sorte da vida. O lugar certo na hora certa. Aquela janela dava para o banheiro de outra casa. E olhando ao seu redor, Jorge notou que haviam outras basculantes como aquela!Quem sabe...Sim! as janelas de seu quarto se direcionavam para outros cômodos de outras casas. Simplesmente perfeito!
E assim começou a brincadeira deliciosa de Jorge. Todos os dias chegava em casa como um louco e corria para as janelas. Ficava a noite toda lá, espionando, observando. Logo, começou a dedicar os finais de semana inteiros naquela atividade. Depois parou de se alimentar frequentemente para economizar tempo em sua missão. Comprou câmeras, binóculos, anotava e redigia tudo o que via, tudo o que ouvia. Estava paranóico!
Dois meses depois estava sem emprego, magro e completamente só. Nada deveria atrapalhar sua obsessão. Dias e noites a fio com os olhos ali, controlando tudo o que se passava nas moradias alheias. Um guarda silencioso. Eterno vigia sombrio preso nos pensamentos obscuros da mente insana. Só havia um grava problema que o importunava todas as vezes que se encontrava de tocaia: a intensa vontade dos vizinhos de VIVER!
Apesar de Jorge ter se isolado totalmente do mundo externo, vivendo de raras refeições, dedicando-se de corpo e alma á sua tarefa,seus nobres vizinhos não compartilhavam do mesmo compromisso para com ele. Como todas as famílias normais saíam para passear, trabalhavam, enfim, possuíam um jeito normal de ser. Foi aí que Jorge resolveu ajuda-los a ter mais responsabilidade e respeito para com os outros.
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Depois de uma semana presos como ratos numa gaiola, já deveriam estar sentindo o gostinho de como é ficar tanto tempo só, sem poder sair para nada, completamente esquecidos pelo mundo. Agora veriam como era bom! “ Grande idéia, soldar as portas, trancafia-los todos de uma só vez. Grande idéia! “ Satisfazia-se Jorge por dentro, remoendo consigo mesmo a atitude que tomara para acabar com aquele despeito. Imaginem só, que insolência deles pensar que poderiam ficar livres enquanto ele se sentia tão...preso! Agora colhia os louros da vitória. Podia espreitar á vontade, olhar sem cansar. Que ótimo! Mas, tudo o que é bom, uma hora acaba...
“Ai, que droga, calem a boca! Chega de choro, seus idiotas! “ Mais uma vez Jorge revirava-se na cama tentando dormir. Mas como se não ficavam quietos! Toda a graça, toda a naturalidade da coisa se perdera por completo. Não era mais como antes. QUE GRANDE DROGA! Não durou muito até que se arrependesse tremendamente de ter feito o que fez. O que fazer? Chamou a polícia (pobre Jorge).
Passaram-se algumas horas e houve um grande tumulto. Muito barulho. “ quem sabe daqui há um tempo o silêncio não volte a reinar” pensava ele tomando um cafezinho, enquanto observava pela janela as pessoas arrombando a porta na casa ao lado. E na outra. E na outra de novo." Quem sabe não é?”
De repente o barulho começou a ficar mais forte. E mais intenso. Como se fosse ali mesmo, na própria casa de Jorge. “ Que estranho!" Não tão estranho quanto aquela fumaça que invadiu o local. Nem aqueles homens correndo ao seu encontro. Mais esquisito ainda aquela horrível dor na nuca. O que teria acontecido?
Agora Jorge estava num lugar minúsculo, deitado em uma espécie de cama com correntes que prendiam seus pés e mãos. de vez em quando surgia um prato de comida por debaixo da imensa porta de ferro que não o deixava sair. Nada de janelas. Nada de vizinhos. “ Que lugar é este?” Pensava Jorge, apavorado. Á noite, tinha pesadelos horríveis com demônios todos de branco que vinham lhe atormentar com espetos, alfinetando seu corpo todo sem parar. obrigavam-no a engolir coisas com um gosto estranho que lhe davam arrepios e traziam á memória todo o tipo de sofrimento por que já tinha passado. Jorge sentia-se todo o tempo observado, algemado, como se olhos vivos o vigiassem o tempo todo. Diferente de antes, tudo o que ele queria era SAIR, SAIR,SAIR!
Do outro lado da sala o enfermeiro da ala psiquiátrica conversava com o médico:
‘O que o senhor acha desse caso doutor?'
“ Meu jovem, é bom que você observe bem. Como pode ver ele está paranóico. Necessita de terapia intensiva. Tome conta especialmente deste paciente. Jamais o deixe sozinho, de maneira nenhuma.”
‘ Será que tem solução doutor?’
‘ Não meu amigo. Creio que não. Pela minha experiência, digo que passará o resto de seus dias aqui. Tudo o que lhe resta agora é ser observado constantemente para pesquisas médicas. Mas não se entristeça, olhe o seu histórico mental! Com certeza ele adorará ser vigiado para sempre.’

Não deixe de enviar sua obra!!!

Se você tem um texto sombrio e que ve-lo publicado aqui não deixe de nos enviar!!!

Abraços Soturnos

Linx

Jogo Eterno

Para não deixar o sonho morrer rs. Mais um conto de minha autoria

Por Linx

“Somos apenas peças, peões, cavalos, bispos e rainhas
De um jogo eterno chamado vida...”


K. caminhava pelas ruas já escuras do centro da cidade seguindo o mais rápido que podia para sua casa, pois à aquela hora a cidade já não era tão amigável e nos últimos anos então, nem mesmo a luz do dia se podia confiar andar distraída pelas ruas.
— Droga! Disse ela ao sentir leves filetes de água que começam a cair molhando de leve seus ombros e pernas descobertas por uma esperança de dia de calor e de quem sabe mostrar ao seu colega ao lado que ela existia e quem sabe desviar um pouco os olhos da loira que se sentava a sua frente – o que também não passou de pura esperança
K. agora corria contra a malha fina de água que cobria o céu, já acompanhada de um vento frio.
— Droga. Droga... Ah!
Entre uma calçada e outra havia uma grade cobrindo uma boca de lobo, onde ela enroscou o salto, fazendo seu corpo cair seco no asfalto, espalhando seus livros e caderno no chão
Dor, e logo depois lagrimas, mas não apenas pelo tombo, mas por tudo. Era como se ela tivesse trancado tudo e o tombo tivesse deixando tudo sair do cofre e cair na suas costas; faculdade, seu trabalho, seu chefe que lhe cantava todos os dias e que a ameaçou pela terceira vez de demissão se não lhe “abrisse as pernas”, o imbecil do garoto que ela tanto amava e que agora provavelmente transava a luz de uma lareira com uma loira falsa filha de um vereador corrupto. Seu choro não pode ser contido por maior que fosse seu esforço, suas lagrimas se misturavam com a água que corria das calçadas e da chuva que caia lavando as ruas. Por um tempo ficou ali tentando parar de chorar e criar forças para se levantar. Com um pouco de força e um pouco mais de tempo suas lagrimas enfim secaram e seus braços enfim ergueram seu corpo dolorido
— Que droga! Inferno! Minhas pernas...
Seus olhos ameaçaram lacrimejar, contendo ela com um suspiro, como quem tenta engolir algo. Sabia que se começasse a chorar não pararia mais. Abaixou-se novamente e recolheu suas coisas já ensopadas do chão, colou-as contra o peito e continuou a caminhada, agora lentamente, pois seus joelhos doíam muito e seus pés ardiam como fogo. Novamente engoliu o choro que vinha, olhou para cima de olhos fechados, contou até dez e novamente voltou seus olhos para frente, e devagar, caminhando até o ponto de ônibus.
Algum tempo de caminhada forçada e logo a frente ela avistou o ponto estranhamente vazio, o que a fez atentar para o estranho vazio da cidade daquele dia. por mais que fosse tarde, sempre havia um bêbado, uma prostituta, um alguém caminhado por entre as ruas escuras e hoje ela não se lembrava de ter visto nem mesmo um gato vira-lata miando a luz do luar. Mas agora aquilo não tinha muita importância, ela estava molhada, com fome e toda ralada, só queria pensar em um banho quente, um prato de sopa e sua cama
— Ei você!
A voz masculina vinda de trás dela a fez gelar. Seu corpo paralisou, apenas conseguindo tremer e encher seus olhos de água. Era seria roubada e quem sabe mais o que...
Uma mão lhe tocou e ela num instinto que nem mesmo ela saiba existir dentro de si se virou e ergueu a mão
— Calma, calma, não vou te machucar. Disse o senhor num tom de nervosismo
Seu punho parou no ar e logo se abaixou ao ver o rosto preocupado do senhor, que a olhava fundo nos olhos
— O que foi? Disse ela ainda receosa, gaguejando e tremendo ainda um pouco
— Por favor me ouça. Vai embora
— Bem é isso que quero fazer
— Não, você não entendeu, vai embora! Disse ele num tom mais alto e nervoso
— Não vê que é isso que quero fazer. Só estou esperando meu ônibus
— Não, por favor me ouça. Corra, fuja, vá embora
— Por que me diz isso senhor. Disse ela já irritada
— Apenas vá, você não pode ir... Vá!
O grito do senhor ecoou pelas ruas, deixando K. apavorada. De longe ela avistou ônibus encostando no ponto. Num movimento rápido ela se virou e correu desesperada até o ônibus
— Não! O homem gritou e correu até o ônibus
— Motorista fecha a porta, aquele doido está me perseguindo
— Sim senhorita! Disse o motorista atendendo prontamente a jovem
O homem bateu a porta e ainda a socou algumas vezes gritando para que a moça abandonasse o ônibus.
— Me deixe! Gritou ela desesperada dentro do ônibus
— Senhor por favor vá antes que eu chame a policia. Disse o motorista num tom grave
— Não vá! Não vá!
— Vai embora! Gritou ela com todas suas forças
O motorista se levantou, mas ao olhar a porta viu que o homem havia sumido
— Tudo bem senhorita ele já foi
— Obrigada moço
— Tudo bem não foi nada. Esses vagabundos covardes. Bem vamos?
— Sim, vamos. Disse ela se sentando em um dos bancos da frente
O motorista ligou o motor, soltando levemente o carro, quando dois homens encostaram na porta, cada um com uma arma
— Abre a porra da porta! Gritou um deles batendo a arma no vidro
— Tudo bem calma, estou abrindo. Disse o motorista abrindo a porta
Os dois entraram no ônibus, se dirigindo direto ao cobrador.
— Passa o dinheiro rapidinho camarada. Disse um deles colocando o cano da arma na cabeça do cobrador
— Calma amigo. Pode pegar, mas me deixa em paz, tenho uma filha e mulher e não quero encrenca
O bandido revirou a gaveta, tirando todo o dinheiro que encontrou e pondo nos bolsos de sua jaqueta de couro gasta
— A carteira também
— Toma. Disse ele tirando a carteira, o relógio e um celular. Leva tudo
— Você também, a carteira, o relógio... disse o outro, pondo os olhos em K. sentada na canto tremendo, quase chorando. Oi gatinha, disse ele indo para o lado dela.
O outro largou o cobrador e foi também até onde K. estava
— Então gostosa como vai. Disse ele se sentando ao lado dela, colocando a mão em sua coxa
— Pode levar tudo. Disse ela estendendo um pouco de dinheiro e um celular que ela guardava na cintura
— Não que isso, acha que eu roubaria uma gatinha dessas? Disse ele rindo ao seu amigo. Sabe gatinha. Disse ele beijando seu pescoço. Nossa como você é cheirosa
— Por favor me deixa em paz. Disse ela chorando
— Calma, só quero fazer um carinho
— Me deixa! Gritou ela se esquivando, arranhando ele com a presilha de seu cabelo
— A vadia então é brava. Disse ele passando a mão no arranhado
— Acho que ele precisa ser amaciada. Disse o outro
— É... vem comigo. Disse ele se levantando e puxando ela do banco
— Me deixa! Socorro!
— E vocês dois quietinhos, senão meto bala nos dois
Os dois a arrastaram do ônibus, enquanto o motorista e o cobrador ficaram impotentes olhando a ação de longe. Mais a frente os dois a jogaram no chão e começaram a lhe rasgar a roupa
— Socorro! Me deixa!
— Pode gritar gostosa. Adoro uma vadia que grita
Os dois tiraram as roupas e um deles se deitou em cima dela enquanto o outro forçava um beijo
O ônibus saiu em arrancada, revelando atrás dele o homem que antes lhe gritava. Ele via tudo de longe, deixando correr lagrimas pelo seu rosto
— Pare com isso, sei que você pode parar esse sofrimento! Gritou ele para cima
— E por que eu faria isso? Disse um homem ao seu lado
— Porque faz isso? Disse o senhor ao homem que assistia tudo com um meio sorriso
— Não faço nada. Não sou eu, são eles
— Seus filhos! Disse uma vez isso! Chamou-os de filhos!
— Filhos? Não se faça de ingênuo, está morto a tanto tempo e ainda acredita em histórias de faz-de-conta.
— Seu maldito! Gritou o homem
— Ora meu caro não seja um mau perdedor. Olha pra ficar mais divertido deixo você da próxima vez falar a palavra ônibus. Sabia que esse é um dos jogos que eu mais gosto? É um dos mais emocionantes
— Demônio desgraçado! Gritou o senhor ao nada, vendo que ao seu lado não mais havia ninguém
O senhor se pôs a chorar novamente, vendo na sua frente a garota morta e os homens fugindo. Ele então foi a frente a garota deitada e olhou seu lindo rosto, agora deformado por hematomas
— Me perdoe...
Ao longe o homem viu um grupo de almas perdidas, almas que ele deixou morrer, almas do jogo perverso da vida. Ele era apenas uma alma, que como todos nos, partes do jogo perverso dele.