terça-feira, julho 24, 2007

O QUADRO

Autor: Linx
Revisão: Paulo Soriano

Há algum tempo tudo começou. Sim, C. era muito dedicado a suas obras, tinha certa veemência quando pintava, quase que mergulhava em seus quadros por horas a fio, sem sequer parar para comer ou mesmo beber um simples copo de água, trancado em seu ateliê, uma saleta no fim do longo corredor cheio de suas telas enfeitando as longas paredes forradas com um papel de cor escarlate vibrante. Mas, mesmo em seus momentos de maior dedicação, ele sempre separava um tempinho, lá pela hora do jantar, para ficar com sua esposa, às vezes mesmo que sentando na frente do sofá ao som de sua velha vitrola, ouvindo óperas quase que esquecidas, tão antigas quanto aquele grande casarão onde viviam no meio do nada. Mas nada disso era motivo de queixa de sua esposa, que a ele dedicava um amor tão imenso quanto seu próprio coração. Para ela, ele nunca deixou de ser amoroso e atencioso, nunca lhe negou uma noite calorosa de amor, nem mesmo um colo nos momentos em que não estava metido no seu mundo.
Mas agora as coisas ficavam cada dia piores; num certo dia, C. entrou na sala com uma grande tela, carregada por cinco homens. Ele tinha um brilho diferente nos olhos enquanto olhava aquela tela entrando no hall de sua casa. Sua mulher, que ainda dormia, acordou e desceu a passadas largas a longa escada até parar ao lado do seu marido, que mal lhe deu atenção e provavelmente nem a vira entrar.
- Amor... ela tentava sorrir. Que tela enorme!
-É... ele nem mesmo desviou seu olhar da grande tela em branco que entrava.
- O que pretende pintar ai? - Disse ela embaraçando suas mãos.
Ele voltou seu olhar por um leve momento para sua esposa meio encabulada ao seu lado. Mas em seus olhos ela não vira o tom de alegria, misto com um amor sereno que ele dirigia a ela em seus olhares, mesmo nos momentos mais difíceis. Agora vinha carregado de uma frieza e de desdém que chegou a arrepiá-la.
- Não sei ainda. Sinto-me inspirado, sinto que minhas mãos estão para conceber uma grande obra.
- Ah! entendi. Que bom, amor. - Ela lhe tocou de leve o ombro, sendo esquivada depois de um leve segundo
-Bem, eu vou acompanha-los até meu ateliê. Disse ele se virando e seguindo o grupo de homens. Vá até o jardim dar uma caminhada. - Disse ele, acenando a ela de costas.
A mulher ficou ali parada, vendo seu marido seguir aqueles homens. Ela ainda pôde ver, ao seu corpo cruzar o hall e entrar no longo corredor, o rosto dele novamente brilhante, repleto de admiração à sua futura obra.
Ela, então, tentando ignorar o episódio de repulsa do marido, se dirigiu ao jardim; talvez colher umas flores e enfeitar um pouco aquela casa, que muitas vezes lhe parecia tão sombria, lhe alegrasse um pouco.
Mas nem mesmo um jardim todo de flores, que ela tanto amava, a alegraria a partir daquele dia, pois a partir daquele dia amargo, seu marido mergulhou inteiramente em seu mundo e ela mergulhou inteiramente num mundo de fel. Ele mal saiu de sua saleta, ficou até um dia todo sem sair e nesses raros momentos em que saía, ele mal olhava a esposa nos olhos. Ele ficava cada dia mais sombrio, era como se a obra lhe consumisse o espírito a cada dia. Seus olhos, antes brilhantes, mesmo que às vezes vagos e foscos, agora tornaram-se escuros, fundos em seu rosto magro e abatido. Suas poucas palavras eram ásperas e a cada dia que se passava, nem mesmo suas ríspidas respostas era ouvidas naquela casa. Sua esposa estava ficando preocupada com a saúde de seu marido, mas não queria lhe falar, não queria lhe perturbar, sabia que era uma fase, sabia que aquilo fazia parte de sua nova criação.
Mas suas certezas começaram a desmoronar quando ele ficou três dias preso em seu ateliê, sem mesmo sair para tomar um ar.
No fim do terceiro dia, eram cerca de onze da noite quando ele saiu, passando rapidamente por ela e indo até a cozinha. Tomou da geladeira um jarro de vinho e dois pães, os botou numa cesta e seguiu até sua sala novamente. Nesse momento, sua esposa não se conteve, sua preocupação se misturava agora com um certo rancor. Ela o puxou pelo ombro e o virou com certo brutalidade, pondo nele toda força que tinha.
-O que está acontecendo C.?
- Nada! ele gritou e a empurrou.
-Como nada?! Você se trancou nessa maldita sala por quase três dias! Me diz o que está acontecendo com você?
-Já te disse que nada. Pare de me perturbar e me deixe trabalhar! - Disse ele, seguindo até sua saleta novamente. -Volte aqui, C.! - Ela gritou enquanto se levantava. C. volte aqui!
Ela correu o máximo que pôde, mas apenas bateu o rosto na porta. Tentou ainda dar umas duas batidas na porta, mas logo cansou, escorregado devagar pela madeira envernizada, ficando ali um tempo até voltar ao sofá.
Depois desse dia, seu marido saiu raras vezes novamente, mas nessas raras vezes ele saía no meio da madrugada, longe dos olhos de sua mulher, pegava o que queria e se trancava novamente. Aquilo a estava deixando cada dia mais insana. Ela não mais dormia direito e ficava horas a fio batendo na porta, sem ao menos ouvir uma simples respiração dele. Sua devoção e amor começavam a se transformar em um ódio louco, um rancor desigual, que ninguém jamais acreditaria que ela conseguisse sentir por seu antes querido marido.
*****
A lareira estava acesa e, à sua frente, ela estava parada, olhando as labaredas dançando, brotando em meio à madeira velha. Vestia um trapo qualquer e tomava um copo de rum, hábito que agora era freqüente. Seu rosto estava pálido, amarelado, ela estava fraca, havia perdido sua energia e vontade de viver.
-Ai...- Exclamou ela , ao sentir que algo estranho lhe penetrou o ouvido.
O barulho soava como um tiro dentro de sua cabeça mareante pela ressaca, mas logo ela consegui identificar como sendo o barulho da porta do ateliê dele se abrindo. Ele ficara a semana toda trancado ali, sem sair nem mesmo de madrugada. Longos passos começaram a ser ouvidos ecoando do longo corredor. Sua silhueta brotou então do meio das sombras feitas pelas labaredas da lareira, passado direto por ela e indo até o cozinha. Aquela rejeição fez explodir de dentro dela todo ódio que ela começou a guardar desde que ele a jogou naquele ladrilho gelado, depois de sua tentativa de lhe fazer um simples gesto de carinho. Como que alimentada por essa fúria, ela pulou do sofá, correndo até a cozinha, onde ele estava. Seus olhos fitaram-no sinistramente, como um bicho raivoso.
-Por que me abandonou? - Ela novamente reprimiu seu ódio e tentou, lembrando-se de seu amor por ele, resgatar tudo que perdera.
-Me deixe... -Sou sua esposa, C.! - Gritou ela, descarregando sua fúria. - Você está trancado ali há dias e, se sai, vaga como uma alma penada pela noite.- Lágrimas correram pelos seus olhos. - Você não me toca mais, nem mesmo me olha.
-Já disse que quero ficar em paz!
-Olhe para mim! - Disse ela, agarrando-a.
-Me solte, sua vadia! - Disse ele, empurrando-a no chão.
Ele tomou o que vinha pegar e se virou, sendo então agarrado por um dos pés pela mulher, que estava no chão, estendida. Com um outro pé, ele lhe chutou o rosto e pulou para o lado, deixando-a rolar, batendo seca na parede. Ele ficou um pouco ali a olhando, tomou depressa os pães e duas garrafas de vinho e virou-se em direção ao longo corredor, caminhando lentamente até sua sala, com certo tom triunfante esboçado em seu sorriso. Suas mãos tocaram a maçaneta, mas logo escorregaram pelo metal. Ele se virou, vendo-a cravando uma faca em suas costas.
-Porque me fez fazer isso? - Disse ela chorosa.
-Sua...
Ele tentou lhe dizer algo, mas ela lhe deu outro golpe, que o fez cair no chão, estendendo-o diante do longo corredor. Ela se afastou, subiu em cima do corpo, que ainda respirava e lhe desferiu mais seis golpes, caindo sem forças em cima dele. Ficou ali vacilante por um longo minuto, até se levantar e pôr seus olhos no corpo sem vida, estendido pelo corredor.
-O que eu fiz? - Disse ela, desesperada.- Deus, o que eu fiz?!
Suas mãos, cobertas de sangue, cobriram o rosto cheio de lágrimas, caindo de joelhos.
-O quadro! Sim, esse maldito quadro fez tudo isso. - Seu rosto novamente estampava fúria. - Ele fez meu C. ficar assim e me fez fazer isso! Amaldiçoado seja!
Com o pouco de forças que ainda lhe restava, ela se levantou lentamente e cambaleou até a porta envernizada que lacrava o ateliê. Uma fraca luz invadiu o quarto cheio de tintas e telas inacabadas. Seus olhos correram o pequeno quarto até ela poder ver, no meio de tudo, a grande tela. Suas pernas então perderam as forças, fazendo-a cair de joelhos. Seus olhos, antes em fúria, agora estavam cobertos de horror; diante dela, cobrindo uma parede ao fundo, estava uma tela pintada a óleo. Nela, o longo corredor escarlate, um corpo estendido numa poça de sangue e mais a frente uma mulher caída de joelhos...

5 comentários:

  1. Nossa, que conto ÓTIMO!!! Maninho, ficou maravilhoso!!! Um final inesperado! Bjinhos!

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  2. Você escreve muito bem, parabéns!
    Visitarei o blog mais vezes =P
    Bjos

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  3. Brigado Brigado rs. Volte sempre Ju, será sempre bem vinda! Celly volte sempre ou te bato rsrs

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  4. Olha lá, meu querido EU SOU MAIS VELHA!!! CUIDADO!!! rsrs. voltarei sim!!!

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  5. idiota,
    este conto é d edgar allan poe,
    plagio é crime e demonstra sua falta de carater babaca

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