sábado, setembro 01, 2007

Excomunhão

Por Mephisto

Quando retornei, após dois dias de ausência, vi que meu povoado estava devastado.

Cravaram postes à frente de cada uma de nossas casas. Tantos quantas eram as pessoas que lá habitavam. E, em cada um dos postes, havia um membro da família enforcado.
Um corredor de pessoas dependuradas e mutiladas era o que se estendia à minha frente.

Era ao fim da única rua, e ao lado da pequena capela, na qual o frade Memphys dizia as suas missas coléricas, que eu morava com meus pais e a minha irmã. E, como era de esperar, eles também eram um exemplo perfeito do que a atrocidade pode fazer: meu pobre pai tivera os olhos arrancados, talvez antes de ser enforcado; minha mãe, ambas as mãos pregadas àS laterais da haste; e minha irmã, a se deduzir do sangue coagulado que descia de suas coxas até os pés, fora violentada em plena infância.

Lamento confessar que toda essa cena não me causou maior terror que a sinistra solidão de um quarto poste. O poste erigido em minha homenagem. E que me esperava.

Antes de imaginar que tortura cruel me aguardava, se dali não fugisse como um alucinado, senti uma espécie de bafo quente, carregado de pestilência, roçando a minha nuca. Então fui içado ao alto do poste. Senti uma compressão no pescoço e o calor de garras poderosas a trucidar o meu pênis. Eu nada via. Apenas sentia o cheiro sulfúrico que vinha de um farfalhar às minhas costas, irregular como se provocado pelo abanar de asas de morcego.

Quando eu enveredava no vale sombrio da morte, um único lance de olhar me permitiu ver os chifres e as patas caprinas de meu algoz. Ele retornava serenamente à capela, de onde provavelmente viera. E, aos poucos, as suas asas de morcego se retraíam em direção ao chão, ganhando a forma de um hábito franciscano.

Somente agora sei por que o frade, durante longos anos, tanto falava de Satanás e do fogo dos infernos... E por que, embora não ousássemos tocar no assunto, as hóstias dominicais ardiam em brasa ao contato dos nossos lábios cristãos...

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