quarta-feira, abril 29, 2009

O jeito é matar


Ela sorriu e ele também.Era tão bonito,tudo era tão bonito...Aquela pequena padaria de esquina,a mesa verde de ferro fundido,as florezinhas azuis pintadas na xicara dela,a maneira que ela segurava a xicara,era quase...Poético...
Ele olhava totalmente absorvido nela,sabia que estava com cara de idiota mas naquele momento,sinceramente...Não lhe importava.
Ela queria o mundo e ele queria somente a ela.Ela era a flor,ele os espinhos.Queria estar em todos os lugares,a todo tempo,em todas as conversas,vendo-a,tocando-a,respirando o ar dela.E ela a suspirar,a passar as mãos pelos cabelos longos,aqueles aneis ruivos...Cor de sangue...De sangue.
Ele notou então que a queria demais...Se anulava por ela,se feria por ela,se dividia por ela e por ela sumia.Viu tarde demais que abandonara a faculdade,assim como seu emprego promissor,abandonara os amigos,a familia...Enfim tudo.Mergulhara nela e a deixara ser ele.Percebeu que as paredes de seu quarto eram forradas de fotos dela,percebeu no meio de suas roupas uma mecha do cabelo dela cortada sabe Deus quando...Tinha até um lencinho dela,meio manchadinho do sangue dela no dia que a xicara de florezinhas azuis quebrara...Quando fora isso?
Ela queria o mundo...Ele queria não querê-la mais...Mas agora era tarde,ela era a vida e só acabaria quando a vida deixasse de existir.Viu sua saída,sua luz no fim do túnel...Matá-la,sim matá-la,porque apenas matando-a ele voltaria a existir,ele poderia viver de novo de luto pelo amor,odiando o amor,desistindo do amor e sendo feliz.FELIZ!!
Em um acesso de alegria ele rasgou as fotos das paredes,queimou a mecha do cabelo dela,se jogou no chão em meio a confusão e riu...Riu a tarde toda.
Deu um jeito de copiar a chave da casa dela,tinha anotado em uma agenda toda a rotina dela,sabia de cada um de seus passos,cada um de seus horários...Foi simples seguir seu plano...
Ele entrou pelas 6:00 da tarde,na vizinhança ninguém o estranhou,estavam acostumados a vê-lo com ela.Acharam normal...
Dentro da casa ele ligou o som,colocou cd's que ambos gostavam,abriu as cortinas,arrumou o que ela deixara bagunçado,fez o capuccino que ela tanto tomava na padaria de esquina.Sentou no sofá e esperou...Ela que não chegava...Se atrasara 10 minutos...Não faria diferença...Morreria do mesmo jeito...
O mal foi a curiosidade...Nunca estivera no quarto dela...Queria tanto tanto....Tentou se conter e não pode,abriu a porta cor de creme e entrou.Quase morreu de infarto.
As paredes eram forradas com fotos dele,fotos do dia dele.Ele no banho,ele dormindo,ele estudando,ele tomando café na cozinha pequena do seu apartamento,ele tirando fotos dela,ele no carro,ele parado numa rua...Ele,ele,ele...
Ele olhava o quarto todo sem entender,parecia tão irreal...Olhou o chão e viu mais fotos,viu também as cartas que ele escrevia mas nunca mandava e que pensava ter jogado no lixo.Viu a letra miuda dela espalhada em suas fotos,dizia a mesma coisa "te amo".Cem,mil,um milhão de vezes repetida.Ele se apoiou na parede arfando...Aquilo era loucura...Loucura...Sentiu medo e desmaiou com uma pancada na cabeça.
Acordou preso a cama,ela estava ao seu lado,o rosto manchado de lágrimas,o cabelo em desordem.
- Você não podia ter visto...Eu tentei...Tentei que você não soubesse... - Ela dizia andando pelo quarto,arrancando as fotos e jogando no chão.Tirou do armário uma camisa dele e cheirou,beijou,passou-a pelo corpo. - É que eu te amo tanto tanto...Mas preciso viver entende?Por favor,você precisa entender!Eu não vivo mais!
Ela jogou a camisa no chão e começou a jogar alcool em tudo,estava insana,repetia que precisava viver.Ele compreendia e também chorava...Sabia o que iria acontecer...Ele mesmo planejara...Ele fora pego em sua propria armadilha...Não ia adiantar nada pedir e nem implorar por sua vida,ele sabia o que ela sentia,sabia que ela não iria parar...Porque ele também não pararia.
- Vai doer,mas vai passar...E ai estaremos livres...Ta?Eu te amo... - Ela sussurrou no ouvido dele e depois o beijou na boca.
Saiu do quarto jogando um fosforo aceso no chão,ela ainda viu as primeiras labaredas.Mas o inferno quem presenciou foi ele...Sentiu o fogo lhe consumir a carne,lhe arrancar a pele...Viu todo seu corpo se encher de bolhas,se sentiu sufocar pela fumaça.
Morreu em extrema agonia sabendo que agora ela queria o mundo...E ele não estaria lá para impedir...O amor não passava...O amor não passava...

" Isso não é amor, é uma perseguição...Você vai onde eu vou,até na contramão..." 2ois

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