quarta-feira, agosto 15, 2007

Ferida aberta

Por Arcano Soturno

"O inferno é a repetição". Essa era a frase colada na parede atrás dele. Seu quarto era bagunçado, a máquina de escrever era velha. Entre tantos objetos e fragmentos de obras inacabadas, ele escrevia, escrevia, escrevia...
"Meu café está frio, minha cabeça dói. Olho para a porta do quarto à minha frente, mas ninguém entra, ninguém bate. Eu queria que ela batesse...
"Minhas páginas de confissão, não se entristeçam com meus escritos. Mais parecem sujeiras, pensamentos ultrapassados, antigos pergaminhos decadentes. É assim que escrevo minhas dores, trancado no quarto, porque sei que se eu sair daqui vou morrer. Além disso, lembrei que passou por minha cabeça uma história, e que me sentei para escrevê-la. Mas algo me impediu. Foi a dor-de-cabeça.
"Procurei comprimidos. Saí... E agora continuo escrevendo. Até agora meus pensamentos são datilografados. Mas se bem me lembro da história, era um homem que saiu de casa sozinho, com uma faca na mão. Não lembro bem o resto, mas aos poucos a história vai acontecendo. E esse café frio, esses papéis que nunca acabam, parecem uma eternidade em meu quarto.
"Eternidade. Eterna. Assim era a Morte da história. Ela veio em forma de anjo e chamou o homem para o paraíso. Mas ele se recusava com a faca na mão. Dizia que ‘preferia estar morto’. Ele sabia que o anjo era uma ilusão e que o paraíso era uma mentira. Então ele se mata com a faca. Várias facadas no peito.
"Caindo. Seu corpo cai lentamente para trás. Ele fecha os olhos e penetra dentro de si, onde vê sua dor em várias formas, dizeres. E morto, vê que alguém lhe estende a mão. Era a Morte, não mais como um anjo. Era a Morte, que o leva pela mão para seguir um rumo além do horizonte.
"Essa é a história que eu queria escrever. Ou estava escrevendo. Não sei, não lembro. Deixo apenas datilografadas essas lembranças, porque estou, ou estava com muita dor-de-cabeça; porque tenho, ou tinha medo de sair do quarto e a depressão me pegar. E continuo escrevendo com essa máquina de datilografia, mas eu queria tomar um gole de café. Porém o café está frio, e eu não consigo pensar direito. E essa mesma história me passa pela cabeça e se repete, repete, repete...".

Um comentário:

  1. Arcano, seus textos também são muito bons! Preza pela clareza dos escritos! Parabéns!

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